terça-feira, 29 de junho de 2010

Obama, e as águias agroenergéticas

A imprensa mundial abordou recentemente a eleição do primeiro presidente negro norte-americano como um evento de proporções humanas nunca antes vista. Barack Obama passou a encarnar o que comumente se denomina de forma infantil “o politicamente correto”.

Sem delongas, Obama representa a continuidade, talvez bem mais acirrada, do que já tinha sido abordado por Bush quanto ao cenário energético mundial, ou seja, de que a produção agroenergética norte-americana será encarada como questão de segurança nacional para os EUA:

[...] Nós somos, e sempre seremos, os Estados Unidos da América.
Foi a resposta que levou aqueles a quem foi dito durante tanto tempo para serem cínicos e receosos e duvidarem do que somos capazes de fazer e para colocar as mãos na arca da história e vergá-la mais uma vez em direcção à esperança num dia melhor. [...] Neste país, levantamo-nos e caímos como uma nação só, como um povo. Resistamos á tentação de voltar a cair no mesmo sectarismo, mesquinhez e imaturidade que envenenou a nossa política durante tanto tempo.Relembremos que foi um homem deste Estado que pela primeira vez carregou a bandeira do Partido Republicano até à Casa Branca, um partido que teve por base a autoconfiança, a liberdade individual e a unidade nacional.Esses são os valores que todos partilhamos. E apesar do Partido Democrata ter conquistado uma grande vitória esta noite, fazemo-lo com a humildade e a determinação de sarar o que nos divide e que impediu o nosso progresso. E para todos os que têm os olhos postos em nós esta noite, para além das nossas costas, dos parlamentos aos palácios, para aqueles que se juntaram à volta de rádios nos cantos mais esquecidos do mundo, as nossas histórias são diferentes mas o nosso destino é partilhado, e uma nova aurora se levanta na liderança americana. Para aqueles que querem destruir o mundo: nós vamos destruir-vos. Para os que querem paz e segurança: nós apoiamos-vos. E para aqueles que se interrogam sobre se a luz de liderança da América continua viva: esta noite provamos, mais uma vez, que a força da nossa nação não vem do nosso poder militar ou da escala da nossa riqueza, mas do enorme poder dos nossos ideais: democracia, liberdade, oportunidade e esperança[...] (DISCURSO de Posse do Presidente dos EUA. Jornal De Notícias, São Paulo,21jan.2009.Disponível.em Acesso em: 16 mar, 2009, grifo do autor).
 
O discurso da vitória de Obama foi absolutamente claro quanto à duas questões centrais. A primeira delas, a de que o papel do presidente é dar aos Estados Unidos o fortalecimento da posição de potência mundial dominante. Império é império e os “filhos de César” não podem querer outra coisa que a manutenção do status quo. Nessa perspectiva uma segunda questão aparece, a de que Republicanos e Democratas podem ter suas diferenças, mas elas se completam nas grandes decisões estratégicas para a Nação. Assim, o que temos é um posicionamento claro. Haverá mudanças de planos, mas nem tanto. A reta traçada é e sempre foi a mesma, ser país dominante no mundo. E mais, com um aviso que para nós brasileiros deve ser considerado como absolutamente preocupante. É que no país dos super-homens “Para aqueles que querem destruir o mundo” um primeiro aviso : “nós vamos destruí-los” (DISCURSO de Posse do Presidente dos EUA. JornaldeNotícias,SãoPaulo,21jan.2009.Disponívelem Acesso em: 16 mar, 2009, grifo do autor).
 

Obama segue a mesma política internacional dos seus predecessores. O que é ameaçar o mundo? Para os americanos sempre foi aquilo que os atrapalha no caminho da construção permanente da grande nação americana do norte que apesar da sua “democracia, liberdade, oportunidade e esperança” tem no seu absoluto poderio militar e na força de vontade de potência do seu povo (no melhor sentido nitszchieniano) a força inigualével de buscar a todo custo seus interesses.
 
Bush era homem do petróleo. A ameaça do mundo era o Oriente Médio e a Ásia, grandes fontes de petróleo. Obama continuará a sê-lo enquanto os EUA precisarem de petróleo, mas o fim dos tempos dos vícios do petróleo anunciada por Bush se abre com Obama na era dos perigos que ameaçam o mundo. E abriu com a surpreendente vitória de um filme promocional de Al Gore (ex-candidato democrata a presidência dos EUA e grande apoiador de Obama) sobre o aquecimento global. “Uma verdade incoveniente” foi dirigido por Davis Guggenheim, e recebeu o Oscar de Melhor Documentário de 2007 tendo Al Gore como narrador, baseado nas suas palestras dadas pelo mundo afora sobre o aquecimento global. Curiosamente, mais ou menos no mesmo período, um brilhante documentário intitulado The Great Global Warming Swindle (a Grande Farsa do Aquecimento Global) produzido pelo canal 4 britânico e posto no ar em março de 2007, foi relegado ao mais absoluto desconhecimento da grande mídia. Onde essas peças se encaixam?

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Amazônia – ninho de águias agroenergéticas



Sabemos do papel que a Amazônia vem assumindo no discurso hegemônico do aquecimento global. Ela é, nada mais, nada menos, que colocada como principal eixo de compensação do CO2 emitido na terra pelos humanos que pretensamente vem causando um aquecimento planetário, sendo este abordado numa perspectiva messiânica e apocalíptica. Deveria ser óbvio, mas a obviedade se manifesta quando a desgraça se estabelece. O Brasil, detentor do maior território amazônico está sendo emparedado num clássico processo de formação de um discurso hegemônico no qual, a continuar no rítmo que vem sendo veiculado, trará a justificativa necessária para uma intervenção dos EUA a partir do consentimento da ONU, provavelmente dentro de uma coalisão com outras potências ávidas por energia[1].

Ora, a primeira Guerra do Golfo se deu em nome da democracia através do ataque em massa de um antigo aliado norte-americano, o Iraque e seu ditador,  que cometeu a loucura de tentar reanexar o Kwait. Num Iraque destruído, a segunda Guerra do Golfo ocorreu em nome da humanidade a partir do massacre de um povo  que não oferecia a menor resistência para nada, quanto mais ameaçar a humanidade com armas de destruição em massa, essas sim, nas mãos das grandes potências. Tudo isso foi mais que aceito midiáticamente. Provavelmente, a covardia da invasão das “tropas de coalisão” (eufemismo para justificar a invasão norte-americana com seus sócios) será num futuro não muito distante encarada como uma das maiores barbáries bélicas da história humana. Muito haverá para se contar do assassínio não divulgado de um gigante militar contra uma nação absolutamente empobrecida.

O hoje satanizado Bush filho foi comemorado numa imensa propaganda de construção da imagem totalmente absurda de que um Iraque empobrecido  possuía armas de destruição em massa. O Iraque estava colocando o Planeta Terra em risco. Hoje isso já parece absurdo. Mas a morte veio a Mach 3 e em massa. Ninguém nos EUA se opôs. No mundo, poucos se atreveram ao menos a discordar. Esse mesmo mundo não se oporia à invasão do Irã que passou a ter a figura do seu presidente eleito banalizada como a de um fanático. Essa banalização só deixou de acontecer quando o Irã permitiu a entrada de empresas petrolíferas russas em troca de proteção militar. Bush chegou a anunciar a terceira guerra mundial. Blefe. Mas blefe porque o adversário era outro. E foi aí que a Casa Branca decidiu admitir, pelo próprio Bush, que os EUA eram viciados em petróleo. É que a guerra se tornara cada vez mais perigosa. O Irã não mais se colocava nas situação de fragilidade do Iraque, ao mesmo tempo em que as perdas dos “aliados” se misturava com o massacre até hoje não dimensionado de iraquianos.  

Pois bem, se os democratas reconhecem a importância do partido republicano como “um partido que teve por base a autoconfiança, a liberdade individual e a unidade nacional” certamente não é por acaso. Aliás vem de longe o anedotário político de que nada é mais republicano do que um democrata. Afinal, o legendário (ao menos para os americanos) John Kennedy, forçado ou não, fez parte da guerra fria e agiu a contento. Enviou e aumentou tanto a presença dos “conselheiros militares” americanos como também a presença bélica efetiva no Vietnã, inclusive com a introdução dos “boinas verdes”. Morreu Kennedy e assumiu o também democrata Lyndon Johnson que, em definitivo, completou a tarefa de entrada velada dos EUA na guerra.

A crise energética mundial colocou os EUA na posição de buscar novas alternativas energéticas. Curiosamente surgiu no discurso do democrata Obama, um inimigo oculto absolutamente novo e incrivelmente amplo: os inimigos do planeta. Democratas, Al Gore, aquecimento global, Barack Obama, inimigos do planeta a serem destruídos. Coincidências demais para um povo acostumado a dizer “Nós somos, e sempre seremos, os Estados Unidos da América”, não como uma afirmativa nacional, mas como crença arraigada do seu poder imperial. Não é o novo presidente americano quem trabalha a perspectiva agroenergética e, provavelmente, a tomada da Amazônia (não apenas a brasileira) assim como não foi Bush nem pai nem filho que criaram a geopolítica do petróleo dos EUA. É parte do pensamento americano, agir para manutenção do império.  E mantê-lo faz com que se ajam em várias frentes.

Enfim, se Bush anunciou a insurgência de uma nova era pela incapacidade de manutenção de um mundo energético baseado como fonte principal no petróleo (e colocando as medidas para tal) Obama tratará de dar continuidade a esse processo só que com maior “poder de fogo” agindo na implementação de uma estratégia de médio e longo prazos, tanto na parte tecnológica e produtiva (o que é continuidade do que já estava previsto no fim do governo Bush) como, o que é o fundamental, no arraigar do emparedamento dos países tropicais do planeta (dos quais o principal deles é o Brasil) através da construção do discurso hegemônico da intocabilidade das suas áreas. Os EUA possuem um ambicioso projeto próprio que lhes dará a sua tão esperada liberdade energética. Para os que possam duvidar disso, eis o resultado no campo do etanol do primeiro encontro entre os presidentes Lula e Obama ocorrido em 14 de março de 2009.

O encontro de sábado também serviu para deixar claro que os EUA não pensam em abrir tão cedo o mercado americano para o etanol produzido no Brasil, uma reivindicação que Lula e os usineiros brasileiros tem feito com insistência. Na entrevista ao lado de Lula, Obama admitiu que as barreiras tarifárias impostas ao álcool importado geram tensão entre os dois países, mas disse que o problema só será solucionado " com o tempo " . Num encontro na sexta-feira em Washington, o secretário de Agricultura dos EUA, Tom Vilsack, disse a representantes da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) que não há a menor possibilidade de eliminar as tarifas do etanol no curto prazo. A legislação em vigor assegura sua manutenção até o fim de 2010 e sua retirada agora poderia aumentar os problemas gerados pela crise econômica para a indústria americana de etanol. (ENCONTRO Lula-Obama reduz chances de Doha, O Globo, Rio de Janeiro,13mar.2009.Disponível.em Acesso em: 25 abr. 2009).


Os EUA possuem um projeto próprio. Não é a crise que objeta a retirada do protecionismo ianque à entrada do etanol brasileiro em seu território. A crise é a justificativa de Obama para a proteção do projeto estatudinense de produção. Afinal eles também detêm a tecnologia, inclusive de cana de açúcar como já dissemos e não irão usar seu mercado para fortalecer um gigante do setor como o Brasil. Uma nova ninhada de águias surge: as águias agroenergéticas. Irão querer como habitat a Amazônia brasileira em parte ou no todo.


[1] O Brasil está utilizando-se do discurso do aquecimento global para a venda de biocombustíveis, sobretudo nesse momento o etanol. Para nós é uma faca de dois gumes. Até que ponto ela cortará para o nosso lado é uma incógnita. Acreditamos que o melhor caminho seria trabalhar no discurso de que temos um combustível baseado numa fonte ilimitada de energia, o Sol, e que dada nossa posição geográfica e nossa característica territorial de unidade quase continental, possuímos a grande área contínua planetária para produzir biocarburantes.

Crônica de uma morte anunciada




As grandes sociedades são aquelas que conseguem transpor o caminho que separa o homem do super-homem. Concordamos com Nietzsche e essa é a história mesma da humanidade: superação. Superação exige arrojo, decisões corretas e firmes em momentos críticos. Esse é o caminho da transformação humana e social.

Alguns exemplos curtos devem ser dados para nós brasileiros. Vargas construiu o capitalismo no Brasil em suas bases institucionais, sem as quais seríamos ainda algo por ser feito, inclusive quebrando os poderes político-militares das oligarquias estaduais e definindo o poder na União. Kubitscheck, com um impressionante arrojo, transferiu acertadamente a sede da capital de um paraíso tropical geopoliticamente ultrapassado para o serrado, assumindo o ônus político de tudo isso, inclusive de transferir todo o corpo administrativo do Estado (seus três poderes com respectivos aparatos) do belíssimo Rio de Janeiro da década de 1950. Não é fácil e, como se não bastasse, dando a um engenheiro e um arquiteto de vanguarda a tarefa de fazer uma cidade planejada e absolutamente artística. Brasília é arte estudada pelo mundo. Brasília instituiu o Centro-Oeste tal como ele é hoje. E o maior de todos os arrojos, aquele que semeou o mundo como nós conhecemos? A expansão ultramarina a partir do século XV:


O camponês dos arredores de Lisboa só passa a ter consciência do oceano atlântico somente quando tenta proteger suas vinhas das fortes brisas marinhas e das partículas de sal por elas trazidas. Em alguns aspectos, sem dúvida o mar desempenhou um papel mais importante na história de Portugal do que qualquer fator isolado. Isso não significa que os portugueses fossem uma raça de aventureiros, homens do mar mais do que camponeses ligados a terra. A três ou quatro séculos a porcentagem de homens que foram ao mar em navios em busca de sua subsistência era por certo menor em Portugal do que nas regiões de Biscaia, da Bretanha, da Holanda setentrional, da Inglaterra meridional, e de algumas regiões bálticas. (BOXER, 2001,  p.28)   


Portugal não era uma nação de navegadores, muito pelo contrário, tinha tudo para não sê-lo, a começar pelo número reduzido de sua população. Tornou-se um império marítimo tão somente por determinação, vontade de potência. Mais do que isso, um império marítimo que “descobre” o mundo e domestica os trópicos como nenhum outro império ultramarino. Raça bravia, perspicaz, corajosa, determinada. Raça de super-homens.

E o contrário? O que pode a falta de ação, indeterminação individual e societária fazer?

Nessa triste história de juízos equivocados, feitos por pessoas bem intencionadas e capazes, chegamos agora ao nosso clímax. O fato de havermos todos chegado aquela situação torna os responsáveis por ela, por mais honrosos que fossem seus motivos, culpados perante a história. Para olharmos para traz para vermos o que havíamos sucessivamente aceito ou jogado fora [...] No entanto, quem se recusa a lutar pelo direito quando pode facilmente vencer sem derramamento de sangue, que se recusa a lutar quando a vitória é certa e não custa um preço alto demais, pode chegar a um momento em que é forçado a lutar em meio a todas as probabilidades adversas, contando apenas com uma precária chance de sobrevivência. E pode haver um caso ainda pior. Pode-se ter que lutar quando não há nenhuma esperança de vitória, porque é melhor perecer do que viver na escravidão. (CHURCHILL, 2005,  p.25)
           
A morte anunciada do não feito para evitar a Segunda Guerra Mundial começou do esmagamento econômico da Alemanha depois da primeira guerra e das atitudes de covardia das nações européias (sobretudo da França e da Inglaterra) ante uma Alemanha armada e novamente beligerante. Os motivos para a não ação eram nobres até. Possivelmente justificáveis: a lembrança da Primeira Guerra. Mas a não percepção da necessidade de tomadas de decisão fortes em momentos drásticos levou à segunda imensa carnificina.  Uma Alemanha militarizada com um líder carismático determinado a construir sua posição de império planetário diante de uma Europa temerosa e absolutamente indefinida. A intenção de evitar a guerra levou a guerra, pois guerra era o que queria a Alemanha hitlerista. Não existia a não guerra a partir do rearmamento alemão e da ascensão dos nazistas ao poder. O que existia era a tomada de posição das duas principais potências européias de esmagar antecipadamente as pretensões nazistas que, diga-se de passagem, não eram hegemônicas politicamente em território alemão (Hitler perdeu as eleições em Berlim e sofria oposição interna dentro das próprias forças armadas já durante a guerra, inclusive com um atentado que quase o matou, a chamada Operação Valquíria).

E nossa morte anunciada? Enquanto a maioria da sociedade brasileira nada sabe (nem teria o porquê, já tem problemas demais para resolver no dia-a-dia), a era dos biocombustíveis se instala em definitivo e de maneira acelerada no olho do furacão do ocaso da era do petróleo, com complexos agroindustriais definidos e capitais globais em plena ação de investimentos. Não somos profetas do apocalipse, mas a não tomada de decisões vitais na nova era energética quanto ao Nordeste e o Norte tem sido objeto de análise antes mesmo da existência do problema em si. Vejamos o que diz Artur César Ferreira Reis em livro publicado pelo Senado Federal:

Não fui contra povos nem contra organizações. Fui a favor do Brasil. Sustentei como venho fazendo nas páginas da Revista de Política Internacional, que se edita nesta capital, a urgência de um estado de consciência em torno ao destino do extremo norte. Porque não é apenas o Nordeste que compõe área a exigir a atenção do poder federal, ou antes, da vontade nacional disciplinada e mobilizada para uma operação de envergadura, que signifique maturidade e convicção de que o investimento em energias, de capacidade, sob a forma de planejamentos exeqüíveis e executados com segurança, honestidade e alto sentido cívico, é um investimento reprodutivo, capaz de assegurar não apenas a continuidade integral da prática em sua base física atual, mas o impulsionamento de suas energias criadoras, a significarem riqueza, bem-estar e progresso. (...) Quero lembrar que, se no decorrer dos séculos XVII e XVIII, a Amazônia constituiu uma das regiões sobre que incidiu o interesse político e a ação militar de povos que a disputaram pelas armas, em conflitos que nem sempre a diplomacia soube fazer cessar, séculos em que vivíamos sob a soberania européia, como partes integrantes de um império ultramarino cobiçado, disputado pelos que desejavam participar da partilha dos novos mundos em descobrimento. No século XIX, quando experimentávamos a liberdade política e as responsabilidades da vida autônoma e o ingresso das nações soberanas, nem porque essa situação tivesse se assegurado, encerrara-se aquele interesse. Ingleses, franceses e norte-americanos pretenderam estar presentes à nossa situação no sentido  da elaboração de novas condições existenciais a afirmarem-se, porém, sob a direção de soberanias e etnias estranhas àquelas que haviam desvendado e realizado a ocupação inicial, criando a fronteira política, que devera ter sido acompanhada pela fronteira econômico-demográfica. Os estadistas imperiais revelaram-se admiráveis no senso de responsabilidade a respeito da situação. Houve toda uma vasta e ininterrupta política de defesa do patrimônio territorial do país com relação à Amazônia, como houve uma política imperial no tocante aos negócios do Prata, à frente de tais estadistas a figura imensa de grandeza do visconde do Uruguai. Sob a República, os hiatos foram, no entanto, constantes (REIS, 1965, p.91-92)     

Como se observa a questão amazônica já vem há muito sendo pensada como problema fundamental por grandes brasileiros e pelo próprio Senado Federal, representante político das unidades federadas e entidade legislativa que tem como prerrogativa discutir e deliberar sobre questões de segurança nacional e integridade territorial. Nesse contexto, fazemos uso de uma longa citação que mostra até que ponto se chegou a pensar a problemática amazônica pelo Dr. Arthur Cezar Ferreira Reis. Em item intitulado “A Integração Amazônica Representa a Grande Operação Geopolítica do Futuro, Importando na Maturidade Brasileira” o autor assim apresenta a questão:

A maturidade de um país não se representa apenas na decisão de seus homens de governo, nos seus feitos militares felizes, na estruturação de uma economia alicerçada na produção em massa que satisfaça os mercados internos, e nas relações exteriores realizadas na medida em que haja produção exportável, desnecessária para o consumo interno. Uma nação adquire a altura de uma maturidade quando realmente pode enfrentar os problemas de uma vida interior e lhes deu a devida solução, isto é, aquela compatível com a sua dignidade, os seus foros de cultura, visando a satisfação do bem-estar de suas populações. Enquanto, portanto, essa nação tiver pela frente a desafia-la os problemas graves de sua conjuntura social, econômica, a ocupação dos seus espaços ermos, o desenvolvimento dos mistérios de sua geografia o domínio e a posse efetiva de seu território, por onde possa caminhar sem hesitações e perigos, sem os sobressaltos e os desconfortos das ligações precárias ou que exigem espírito pioneiro, da aventura dos séculos XVII e XVIII, a elevação dignificadora dos padrões  de vida dos seus contingentes humanos, assegurando saúde, alimentação, habitação, salário, instrução, evidentemente esse país ainda não alcançou a maturidade que pensa possuir. E está exposto  a perigos sem conta, inclusive aqueles de, a qualquer momento, ter de sujeitar-se ao vexame de ser chamado a permitir que povos mais fortes, desconhecendo a sua legislação e os seus princípios de vida, mas considerando capazes, fortes, dispostos, com o viço necessário a empresas de monta, e utilizem de suas áreas despovoadas onde a imprevidência nacional se fez sentir deixando que se criasse ali uma condição de vida precária.
No particular do Brasil e da Amazônia, será que não estamos dispostos a perigos? O Brasil já alcançou realmente a pretendida maturidade, tendo pela frente os problemas no Nordeste e os da Amazônia; naquele onde uma população que cresce desmedidamente sofre os horrores de condições físicas que não mostramos capacidade para triunfar num mundo onde as técnicas criadas pela natureza, neste onde ocorre o deserto e onde as populações teimam em manter-se aferradas a modos de existência,es teimam em manter-se aferradas a modos de exist deserto e onde as populaçr e deliberar sobre questr conselho editorial do sen e a usos de terra e comportamentos econômicos rotineiros, que são uma contradição com o progresso que se constata facilmente no sul do país? Já aqui se fez, mais de uma vez, uma mensuração da gravidade da situação que se está criando para a própria integridade do Brasil com o desequilíbrio entre norte e sul, desequilíbrio que cresce, desenvolve-se, provocando a situação exótica da existência de um país aqui desenvolvido e ali profundamente subdesenvolvido.
A maturidade para o Brasil não pode ser um objetivo para o futuro muito distante. Criamos a base física da pátria na demonstração admirável de que tínhamos condições para realizar. Por que não poderemos criar a outra situação, isto é, aquela não apenas da posse física, mas social, econômica e definitiva, integrando o todo nacional num harmonioso conjunto, que se complemente em suas várias áreas e subáreas?
A maturidade do Brasil, permitam que conclua com pessimismo, há de ser uma realidade. Quando, porém, tiver dominado a Amazônia, tirando-a da condição de página de geografia e transformando-a num vigoroso capital de civilização onde, em vez do rio e da floresta comandando, esse comando esteja nas mãos dos homens. (REIS, 1965, p.94-95 grifo do autor)


As linhas anteriores reproduzidas foram escritas em 1966 e publicadas pelo Senado Federal em 2001. O Brasil passou a pensar em agroenergia em 1975. Em 2001, mesmo com álcool nas bombas, nosso pensamento sobre o assunto tinha estancado. Renasce agora com o fim declarado da era do petróleo. Ferreira Reis anunciava a precariedade de nossa visão sobre uma questão geopolítica central: a questão amazônica. De quebra ainda abordava a problemática nordestina, cancro nunca definido de nossa história federativa. Tratemos das duas questões separadamente. Vamos então ao problema amazônico.

A questão amazônica voltou a ser tratada pelos governos militares como problema estratégico central. Foram instituídas a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA - criada em 28/02/1967 para a dinamização industrial de Manaus em crise com o fim da era extrativa da borracha) e a Superintendência do desenvolvimento da Amazônia (SUDAM - em 26 do outubro de 1966). Como principal braço de pesquisa para a região amazônica na década de 1950 havia sido concebida em 1952 e instalada em 1954, o Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA). Temos aqui a ação do Estado na construção do espaço amazônico como territorialidade nacional. Como resultado efetivo se tem uma região que se considera brasileira, com dois importantíssimos enclaves industriais: Belém e Manaus. Por tais ações de Estado, sedimentou-se a territorialidade amazônica como brasileira. Sem ela, é difícil imaginar o cenário atual. Mas, certamente, a Região estaria bem mais inóspita do que é. Ou seja, ao Estado Nacional coube a construção (e cabe) da formação da territorialidade amazônica como verde e amarela. Sem isso, o nada e a total desregulamentação da ocupação é o resultado lógico.
Paramos por aí com a falência do Estado Nacional na década de 1980. Com a reconstrução de um novo Estado (que nunca foi liberal, portanto muito menos neoliberal) a partir do final do governo de Itamar Franco e, sobretudo, nos dois governos de FHC  (seguido, com mudanças de foco, mas manutenção das linhas gerais pelos dois governos Lula) a questão amazônica entrou em choque letárgico. A tarefa de colonização da região não foi exitosa em sua plenitude durante os governos militares (apesar de vários avanços) e quase que esquecida da Nova República (1986) para cá. Obviamente que não temos a parada completa das ações. O Sistema de Vigilância da Amazônia (bastante criticado no ato da sua implantação) é importante para a centralização de informações sobre a Região. Mas é quase nada frente às tarefas de uma efetiva integração de um território tropical continental, quase que integralmente não explorado e sob os olhos vorazes de um mundo sedento de energia.

domingo, 27 de junho de 2010

Sangue suor e lágrimas na crônica de uma morte anunciada



           A Amazônia poderá ser tomada por grandes potências mundiais. O motivo é a busca de energia na era bioenergética. As etapas dessa tomada já foram lançadas a tempo com a construção de um discurso global amazônico como patrimônio planetário, hora de recursos hídricos, hora de culturas primitivas que precisam ser “preservadas”, hora de biodiversidade, tudo isso convergindo para uma construção hegemônica (no melhor sentido gramsciano) de territorialidade internacionalizada e fundamental para a existência planetária, hoje não devidamente cuidada pelos Estados Nacionais detentores do imenso território, o principal deles sendo o Brasil. Segundo Ferreira Reis essa estratégia vem de longe e, curiosamente, também desenvolvida pelos norte-americanos:

No particular dos Estados Unidos, surgiu com o caso da navegação do Amazonas. Já em 1826, por indicação do ministro brasileiro acreditado em Washington, o Sr Silvestre Rebelo, incorpora-se uma companhia para navegar o grande rio com barcos a vapor. Até aquele momento, todo o transporte de mercadorias e passageiros era realizado em embarcações a remo e a vela. A essa flotilha ligavam-se alguns milhares de pessoas, que as tripulavam ou delas eram proprietárias. À chegada do primeiro barco, Belém alarmou-se. Porque a navegação a vapor provocaria a ruína de quantos tinham suas atividades funcionando em ligação com as referidas flotilhas. Mais – esses braços a vapor eram estrangeiros e poderiam provocar a desnacionalização da região. A entrada do Amazonas, pois assim se denominava o barco, foi proibida.
Seguiu-se a viagem de dois oficiais da marinha norte-americana – Herdson e Gibbon – que, pelo Ucaiali e pelo Madeira, penetraram o vale, atingindo por fim Belém, de onde se dirigiram aos Estados Unidos. Ali apresentaram extenso e importante relatório ao Governo, que o remeteu ao Senado, interessado em reconhecer a importância da Amazônia no que ela poderia proporcionar ao “bem-estar da humanidade”. Publicada em dois alentados volumes, a exposição dos dois oficiais provocou sensação. Realmente, a Amazônia aparecia, nas páginas que escreveram, como um mundo aberto à iniciativa dos povos capazes, e entre esses não pareciam estar incluídos os brasileiros [...] A essa altura, a opinião pública norte-americana  vinha sendo mobilizada, à volta do amazonas como problema da humanidade, pela série de artigos  e de pronunciamentos feitos em assembléias por um outro oficial da Marinha, o tenente Matthew Fontaine Maury, que o descobrira e o vinha indicando aos seus co-nacionais para a façanha da ocupação e da exploração econômica (REIS, 1965, p. 45-46).                    
 

            A Amazônia tem sido objeto de contendas internacionais desde Tordesilhas. Mas um gigante vizinho há muito observa a região. Seus motivos passados eram pequeníssimos comparados aos contemporâneos. Hoje e apenas hoje, a Amazônia se coloca como problema verdadeiramente central para uma disputa entre grandes potências militares. O que se tem é a disputa pelo eixo central do desenvolvimento mundial, que são os combustíveis líquidos transportáveis, hoje saindo da base petrolífera e ingressando de maneira definitiva para a agroenergia, dependente de terra, água e sol, tudo isso existente em proporções colossais no território amazônico.
            Imaginar um futuro beligerante no Brasil, tendo como atores potências mundiais numa época em que as armas são ultra-sofisticadas e as matanças são sempre em massa parece ficção apocalíptica. É que a humanidade (e nós, sorridentes e eternamente esperançosos e pacíficos brasileiros, muito mais) tem a esquisita tendência de achar que as desgraças humanas são (individuais ou coletivas) sempre para os outros. Nós não morremos ou sofremos desastres ou somos afetados por guerras. Os outros (quem quer que sejam os outros) são. Só que agora “os outros” somos nós. Entramos no cenário internacional com a mais nobre de todas as matérias primas.
As fronteiras são móveis. Sempre foram e continuarão a ser. E a rapidez da sua mobilidade é de caráter sócio-econômico e político. Alguns desavisados de plantão podem acreditar que o fim da Segunda Guerra Mundial enterrou a era imperial clássica e que o fim da guerra fria colocou no lixo as preocupações fronteiriças. Nada mais enganoso. Se as guerras por petróleo mostram claramente a dinamicidade e o vigor dos conflitos territoriais pelo “ouro negro” o anúncio por especialistas de todo o mundo de uma escassez crescente desse recurso para os próximos decênios trouxe à tona novamente (pois tinha se iniciado na década de 1970) a era agroenergética. E nesse sentido o Brasil começa a amargar a complexidade de ser o maior país do planeta em condições de produzir em larga escala biocarburantes para o mundo. Mas aí se encontra, contraditoriamente, o problema.
            Falamos de Brasil sempre como unidade. Esquecemos de vez que essa unidade política segurada no império e costurada com maior efetividade a partir de Vargas é composta por 27 estados federados com assimetrias gigantescas de desenvolvimento sócio-econômico e mesmo de colonização do território. E aí entra a gravíssima questão da Região Norte.
            A Região Norte oficialmente definida é composta por 7 estados.  Imenso de território, com baixíssima densidade populacional e dinamicidade econômica.  Juntos esses estados contam com 3.853.327,23 Km2  que equivalem a nada menos que 48,54% do território nacional. Em contraste, sua população soma 14.623.316 milhões de habitantes (segundo a contagem de 2009 pelo IBGE) o que equivale a apenas 7,95% da população nacional. Vasto território absurdamente desabitado. Mas as coisas podem ser mais complexas.  Essa Região com quase a metade do território nacional produz apenas 5,06 do PIB Nacional (IBGE, números de 2006). Mas as coisas podem piorar um pouco mais. O seu maior estado, o Amazonas (gigante com área 1% superior a Região Nordeste, 41% maior que a Região Sudeste, 63% maior que o Sul e com território 2,2% inferior ao imenso Centro-Oeste ) tem 81,5% do seu PIB e 51% da sua população apenas na capital, Manaus. Aliás, Manaus foi a última grande ação do Estado Nacional com vistas a retomar a problemática das disparidades regionais. Sem a Zona Franca, o Amazonas estaria no neolítico, como seus aborígenes.  
            Infelizmente o Brasil vem sucumbindo a uma visão absolutamente distorcida do território amazônico. Precisamente, trata-se de uma região abandonada pelo Estado Nacional no sentido de dar complemento a sua fixação no território nacional através de uma política efetiva de colonização. E por colonização estamos tratando de tudo que a ela se precisa fornecer. Trata-se de todo um complexo de ações de infra-estrutura e de deslocamento populacional que efetivamente torne povoada a Região fazendo sua integração efetiva (e não meramente midiática) ao território nacional. Só que colonizar é caro, sempre foi. Todo e qualquer processo de colonização necessita de obtenção de atividades econômicas rentáveis que justifiquem os gastos enormes despendidos na empreitada. É assim desde 1492.
            Não é desconhecido, muito pelo contrário, a avalanche midiática internacional que vem sofrendo a Amazônia com fins mais que absolutamente claros de levar a uma posição política de, no mínimo, internacionalização daquelas terras. Isso porque a tomada de um território por nações estrangeiras, ademais com a  extensão da Região Norte, necessita da criação de um discurso que se torne hegemônico. Assim, tem se espalhado como um vírus midiático de ataque frontal ao cérebro nacional e internacional a idéia de que aquela área é fundamental para, intocada, ser a própria fonte da saúde do Planeta: o pulmão é um órgão vital no corpo humano e, sendo do Planeta, da humanidade. O Planeta corre perigo, estão matando a floresta amazônica. Esse é o discurso. E ao menos que a idiotice tome conta da nossa capacidade reflexiva, aí está o discurso hegemônico capaz de justificar futuras intervenções na Região.
            Em 2005 o Exercito Brasileiro foi em missão ao Vietnã no que foi denominada de Primeira Comitiva Militar do Exercito Brasileiro ao Vietnã. Abaixo segue artigo escrito em O Observatório da Imprensa que consideramos singular para a análise em tela:

Cochilos e preconceitos na cobertura da mídia
Por Mário Augusto Jakobskind em 25/1/2005
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/images/transp.gif

De que forma a grande mídia tem dado cobertura à área militar? Esta pergunta deveria merecer alguma reflexão dos editores e também dos pauteiros, um setor vital na rotina do noticiário diário. Nos últimos anos, órgãos de imprensa que nos chamados anos de chumbo compactuaram com o arbítrio, têm apresentado as Forças Armadas de forma visivelmente preconceituosa. Qualquer jornalista ou mesmo cidadão medianamente informado sabe muito bem que, a partir dos anos 1990, a potência hegemônica, os Estados Unidos, tem dado ênfase à política de enfraquecimento e liquidação dos exércitos latino-americanos (sem esquecer que, no período da Guerra Fria, os mesmos Estados Unidos utilizaram os setores militares, brasileiro e latino-americano, para defender interesses vinculados ao grande capital).
Ou, então, como é desejo recente do(s) governo(s) estadunidense(s), transformar as Forças Armadas dos países latino-americanos em meras forças policiais com a função de combater o narcotráfico e o terrorismo.
Foi o que aconteceu na 6ª Conferência de Ministros da Defesa das Américas, realizada em Quito, em novembro passado, quando o secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, tentou de todas as formas que se aprovasse a formação de uma Junta Interamericana de Defesa com a finalidade de combater o "terror regional". Esse projeto acabou brecado graças à firme oposição de Brasil, Argentina, Venezuela e Canadá. O fato não mereceu o destaque devido, muito menos serviu de gancho para aprofundar a discussão da relevante matéria do papel das Forças Armadas. Qual foi o motivo? Desinteresse, preconceito, falta de visão jornalística ou apenas cochilo?
Outro fato solenemente ignorado pela mídia e que, sem dúvida, mereceria a máxima atenção, por seu grande interesse jornalístico, foi a recente visita de uma comissão de militares brasileiros ao Vietnã. A informação não seria difícil de ser obtida. Bastaria um pauteiro atento fazer uma incursão ao site do Exército Brasileiro para ficar sabendo que o Estado-Maior do Exército, por proposta do Comando de Operações Terrestres (Coter), enviou comitiva militar ao Vietnã.
Armação do Pentágono
Segundo o Exército, "a visita teve por objetivo realizar os contatos com as Forças Armadas daquele país e viabilizar, em futuro próximo, intercâmbios sobre a Doutrina da Resistência nos níveis estratégico, tático e operacional". Além de Hanói foram visitadas as cidades de Haiprug, Ho Chi Min – antiga Saigon – e a província de Cúchi, que abriga 250 quilômetros de túneis construídos na Guerra do Vietnã. A comitiva foi composta pelos seguintes oficiais: coronel Luiz Alberto Alves Rolla, do Coter, tenente-coronel Moraes José Carvalho Lopes, do Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs), major Cláudio Ricardo Hehl Forjaz, da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, e capitão Paulo de Tarso Bezerra Almeida Simões, do CIGS.
Pesquisa mais apurada, neste mesmo site, poderia destacar uma entrevista concedida pelo general-de-Exército Cláudio Barbosa de Figueiredo, chefe do Comando Militar da Amazônia. O oficial não escondeu que o Brasil vai recorrer a ações de enfrentamento semelhantes às de países como o Vietnã e o Iraque, em caso de conflito na Amazônia. Segundo Figueiredo, "a estratégia da resistência não difere muito da guerra de guerrilha e é um recurso do qual o Exército não abrirá mão num possível confronto com país ou grupo de países com potencial econômico e bélico maior que o do Brasil". E acrescentou: [...] se deverá contar com a própria selva tropical como aliada para o combate ao invasor. (JAKOBSKIND,Mário Augusto. Cochilos e preconceitos na cobertura da mídia. Rio de Janeiro:Observatório da Imprensa, 2005. Disponível em Acesso em: 12 mar. 2009).

            A matéria acima é mais que exemplar. Ela aponta para duas situações fundamentais sobre a defesa do território. A primeira delas diz respeito à estratégia dos principais países do mundo de criar uma situação de enfraquecimento dos exércitos latino americanos. A segunda questão abordada é a do objetivo da missão do exército brasileiro no Vietnã. O que se tem é que concretamente o Exército passa a se preparar para um possível confronto militar em território amazônico com um ou mais inimigos de grande poder bélico internacional. A partir da visita supracitada, o chefe da comitiva do Exército Brasileiro nesta missão, Coronel  Luiz Alberto Alves Rolla do Comando Militar do Nordeste escreveu documento sucinto intitulado Conhecimento auferidos pela 1ª comitiva militar do Exército Brasileiro ao Vietnã (vide íntegra do documento anexo):

A vivência prática acumulada pelas Forças Armadas Vietnamitas, ao longo de dois séculos de guerra, adquirida nos Teatros de Operações (TO), contra poderosos e diferentes inimigos, fez com que a Nação do Vietnã passasse a ser conhecida mundialmente.
Para contrapor-se às políticas imperialistas dos países do continente asiático e ao domínio colonialista e expansionista das grandes potências  (respectivamente: na Idade Antiga, com a invasão dos mongóis; na Idade Média, com a violação do seu território pelos chineses e japoneses; na Idade Moderna, com a tentativa de colonização dos franceses e, finalmente, na Era Contemporânea, com a invasão do império norte-americano), as Forças Armadas Vietnamitas desenvolveram uma Doutrina Militar própria: a Doutrina do Combate de Longa Duração.
As Forças Vietnamitas, ao longo dos tempos, travaram inúmeros combates em que impuseram derrotas a potências militares incotestavelmente superiores, utilizando-se da Doutrina do Combate de Longa Duração. Isto permitiu e possibilitou o desenvolvimento de técnicas e táticas de Combate de Resistência, nos níveis estratégico e tático.
Considerando esse contexto, e visando a uma aproximação com a nação Vietnamita, em particular com as suas Forças Armadas, a Força Terrestre do Brasil, por proposta do Comando de Operações Terrestres (COTer), planejou a criação da 1ª Comitiva Militar do Exército Brasileiro, enviada posteriormente em visita ao Vietnã. A missão precípua da comitiva era buscar, inicialmente, uma aproximação com a Força Terrestre Vietnamita, tendo por finalidade agendar, em futuro próximo, visitas e reuniões de intercâmbio doutrinário em que seriam trocados conhecimentos militares nos níveis estratégico, operacional e tático, com ênfase nas áreas de inteligência, operações e emprego de tropa ( pequenas frações) em região de cobertura vegetal ( floresta tropical). [...] Finalmente, e como conclusão deste artigo, poder-se-ia afirmar que, a par dos ensinamentos auferidos pela comitiva que visitou o Vietnã, no ano próximo passado, o primeiro passo do nosso objetivo foi alcançado, o de consolidar uma aproximação com as Forças Armadas Vietnamitas, visando a uma integração e troca de conhecimentos sobre a Doutrina de Resistência. Fruto de nossa visita, o Governo do Vietnã, já incrementou e implantou uma Aditância Militar junto à Embaixada Vietnamita em Brasília.(ROLLA, Coronel  Luiz Alberto Alves.Conhecimento auferidos pela 1ª comitiva militar do Exército Brasileiro ao Vietnã. Recife: Comando Militar do Nordeste, 2005. Disponível em: <www.cmne.eb.mil.br/noticiascmne/materiavietnan.htm>. Acesso em 21 abr.2009).

Em 09 de maio de 2007, o Ministério da Defesa e o Exército Brasileiro lançaram um documento intitulado Diretriz Geral do Comandante para o Exército assinado pelo General de Exército Enzo Martins Peri (Comandante do Exército). Nessas diretrizes gerais encontra-se passagem essencial sobre a questão amazônica: “A Amazônia continuará a receber a mais alta prioridade no âmbito da Força. Estratégias específicas para sua defesa devem ser estudadas, treinadas e aperfeiçoadas, particularmente a Estratégia de Resistência” (PERI, General de Exército Enzo Martins.Diretriz Geral do Comandante para o Exército. Brasília: Ministério da Defesa, 2007. Disponível em: www.defesanet.com.br/docs/DIRETRIZ.doc> Acesso em 05 fev. 2009).
O problema é real e mais simples do que se imagina. A tabela abaixo elaborada pela Embrapa Amazônia Oriental mostra a área potencial para produção de óleo de dendê em território amazônico:
Tabela 4
Potencial produtivo para dendezeiros por Estado
ESTADO
Número de Hectares (Milhões)
Acre
2,5
Amapá
0,5
Amazonas
54,0
Bahia
0,9
Pará
5,0
Rondônia
2,0
Roraima
4,0
Tocantins
1,0
TOTAL
69,9
                     Fonte: EMBRAPA Amazônia Oriental
           
Se compararmos a existência dessas áreas nos estados considerados oficialmente como pertencentes à Região Norte teremos uma área zoneada para plantio de 68 milhões de hectares. Se fizermos uma simples consideração entre esses números e a área colhida de cana de açúcar e soja no ano de 2007 (dados do IBGE) temos que essas duas imensas culturas agroindustriais, base da produção nacional de etanol e óleo vegetal foi de 7.080.820 de hectares colhidos de cana e 20.565.279 hectares para a soja. Essas duas culturas (essencialmente concentradas no Centro-Sul) somam juntas, portanto, 27.646.199 hectares.  Ora, isso equivale a 40,65% da área potencial para o cultivo de dendê no Norte do país. Mas a comparação não para por aí. Como a produtividade do dendê é de aproximadamente 5 toneladas de óleo  por hectare/ano, enquanto a da soja é de 600 kg/hectare ano, caso toda a área plantada de soja fosse esmagada para produção de óleo teríamos uma produção anual de aproximadamente 12,3 milhões de toneladas. Se essa mesma área fosse produzida com dendê no Norte teríamos a fabulosa produção de 108,8 milhões de toneladas de óleo. O interesse mundial passa a ser imediato. Sobretudo dos grandes consumidores mundiais de petróleo e neles, obviamente os EUA que construíram uma guerra mundial (a guerra do Golfo) para se apoderar do petróleo Iraquiano.  

AS ÁGUIAS AGROENERGÉTICAS - BUSH – atuação dos EUA no cenário bioenergético PARTE 1



A última visita do então presidente Bush ao Brasil teve fins absolutamente claros, quais sejam, os de estabelecer as bases de uma atuação conjunta entre os dois países no cenário bioenergético que se inicia. Nesse cenário, fica evidente o papel do Brasil como espaço privilegiado para a localização de grandes plantas produtivas, muito embora tenha se firmado um protocolo bilateral em que países da América do Sul, Central e do Caribe serão escolhidos após estudos de viabilidade econômica para implantação de unidades agroenergéticas.

A primeira questão que está colocada é que os EUA não possuem território para produção de etanol (e futuramente biodiesel) nas proporções desejadas para essa nova revolução energética e as necessidades do seu próprio mercado bem como, futuramente, do mercado mundial. Portanto, os EUA já começam a internacionalizar a indústria do etanol e o Brasil é central para esse processo por motivos tecnológicos, geopolíticos, empresariais e territoriais.

O Brasil possui a tecnologia da produção de etanol de cana de açúcar com alta produtividade; além de ser um país de grandes dimensões com liderança no continente e no próprio caribe neutraliza o presidente venezuelano Hugo Chavez e sua proposta (essencialmente falaciosa) de uma política de integração energética com os países produtores de petróleo e gás, sendo incluído aí, também, os biocombustíveis; joint ventures ou mera aquisição de empresas brasileiras serão feitas em grande quantidade, possibilitando aos EUA a apropriação de know how para atuação produtiva planetária; por fim o território nacional, área principal para a produção de biocombustíveis do planeta, é objeto dos desejos mais sonhados, sendo o governo brasileiro cortejado para aproximações futuras de maior relevância, pois por mais que os EUA busquem áreas para a produção de biocombustíveis jamais poderão dispor de um território tão grande e unificado como o brasileiro e, nesse contexto, necessariamente (ao menos hoje) tem que propor parceria.

O problema das questões acima arroladas é que nós inventamos a indústria dos biocombustíveis e já não somos mais os líderes mundiais da produção nem de etanol. Devemos lembrar que os EUA são o maior produtor de soja do mundo (potencializando-se como um futuro líder mundial no fabrico do diesel de óleo vegetal). Além disso, a Alemanha é a maior produtora mundial de biodiesel (extraindo óleo de nabo forrageiro e comprando óleo de palma) possuindo, inclusive, postos distribuindo B100 (utilização de 100% de óleo vegetal para a produção de biodiesel).

Na verdade não temos uma política interna definida para a produção de biocombustíveis (deixando inclusive o Norte e o Nordeste fora desse processo). Para piorar as coisas, um país radicalmente pragmático e com muito dinheiro como os EUA passa a ser o formulador das propostas de política produtiva e comercial mundial para a área em tela (inclusive as duas proposições principais que são a formatação de um mercado mundial e de uma entidade nos moldes da OPEP para o controle mundial da produção e dos preços nesse novo setor), quando ao Brasil caberia esse papel.

É preciso que se tome um posicionamento mais pró-ativo sobre as questões aqui tratadas. Caso isso não ocorra seremos conduzidos pelo processo e, logo-logo, não seremos mais nada (ou muito pouco) em termos de peso na condução da política mundial bioenergética, passando de locomotiva a vagão de terceira classe da grande potência norte-americana.

O processo de construção de uma política nacional bioenergética é a mais complexa mudança econômica existente no Brasil contemporâneo. Talvez mesmo superior à própria transformação do país de primário-exportador a industrial.

A metamorfose do Brasil de economia primário-exportadora a industrial em nada, ou muito pouco, influiu na dinâmica de desenvolvimento do capitalismo mundial. Nos transformamos e nos inserimos numa dinâmica mundial não mais como simples exportadores de matérias primas, em sua maioria de base alimentar. A partir dos anos 30 do século passado e, sobretudo, na segunda metade do século em diante, nos industrializamos, mas sem mudar em nada o cenário mundial com a nossa “entrada no clube” dos países (hoje) ditos emergentes. Simplesmente nossa industrialização se deu como que uma replicação em menor escala do que existia no mundo. Nada de novo e, muito menos, que interferisse de forma minimamente significativa na ordem mundial do capitalismo.

Como nenhuma grande transformação surge do nada, as crises mundiais do petróleo na década de 1970 durante o Governo Geisel, levaram o Brasil a agir. O petróleo dava sinais de escassez e nossos cientistas viram no Sol, esse imenso reator de fusão nuclear, a solução para o ocaso dos combustíveis fósseis. Nossos chefes políticos tiveram a vontade de potência e pelo Decreto Nº 76.593 de 14 de novembro de 1975 instituíram o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool).

Quase 35 anos se passaram. O etanol que fizemos chegar às bombas de combustível virou notícia mundial. O biodiesel passou a ser considerado a “versão oleaginosa do etanol”. A era dos biocarburantes chegou para ficar. Com ela novas complexidades. De maneira geral elas existem em função das áreas em que é possível se conseguir produzir combustível a partir da biomassa. Essas áreas são infinitamente superiores as usadas na era do petróleo. Por isso mesmo, provavelmente, a questão territorial (no que concerne a conquista e manutenção de territórios por potências econômicas e militares) pode se tornar ainda mais forte, de uma virulência até hoje ainda não vista. E nesse caso, o Norte do Brasil é o grande alvo. Nele a Amazônia, gigantesca reserva de terra, sol e água (sem falar nas outras riquezas simplesmente ainda não exploradas). A tabela abaixo é clara:


A maior região do país (e do mundo) para a produção bioenergética em escalas colossais possui 45% de todo o território nacional com exorbitantes 385 milhões de hectares em sua esmagadora maioria virgens ou sem utilização agrícola. Esse mesmo território possui apenas 8,1% dos municípios e meros 7,9% da população nacional (pouco mais do que a cidade de São Paulo). Ora, se a história traz lições, uma delas é a de que os territórios ditos nacionais não são imutáveis. Eles se deslocam em jogos de paz e guerra de forma permanente. Ademais, territórios não ocupados econômica e socialmente são dificílimos de serem defendidos militarmente. Esse é o dilema amazônico. A Amazônia não poderá ser defendida militarmente se não for efetivamente colonizada, tornada território nacional rico, desenvolvido, ocupado e, em paralelo, fortemente guardado por forças militares altamente bem equipadas.

O nosso território amazônico, no atual caminho da completa cegueira no tocante à questão bioenergética como política de Estado se encaminha a passos largos para sair do mapa do Brasil. Aqueles que conhecem a história do petróleo sabem que essa é uma realidade mais do que plausível. A guerra pelo petróleo se transmutará em guerra de territórios aptos à produção de biocarburantes, ademais, capazes de gerar grandes fluxos migratórios. Em suma, a Região Norte tem sido apresentada no imaginário nacional e mundial como sendo um imenso jardim tropical, uma espécie de Éden planetário essencial para barrar um desmascarado (mas não desativado como discurso) aquecimento global. O Norte não é um Éden. O Norte é uma área absolutamente pobre e inóspita. Um vazio de tudo para se existir, não colonizado. Se tornará algo na mão de ágeis colonizadores que construirão riquezas de proporções difíceis de dimensionar. A questão é saber quem o colonizará. Colonizar é dispendioso. A era dos biocarburantes traz a rentabilidade necessária para a tarefa.