sexta-feira, 16 de julho de 2010

A QUESTÃO


A correlação entre agroenergia e a questão regional apresenta inúmeras potencialidades e desafios. Aponta para a possibilidade de redução/ reversão dos históricos indicadores de fome e pobreza que assolam o Norte e o Nordeste. Contudo, também indica que a não política agroenergética no atual governo federal, assim como as experiências da Petrobras no cenário dos biocombustíveis podem agravar o quadro de disparidades regionais para distâncias abissais, caso não haja aproveitamento deste momento histórico.

As possibilidades de que essa imensa oportunidade se materialize como construção de um processo de produção e distribuição mais igualitária de riquezas por todos os nossos 27 estados irão depender exclusivamente da capacidade do Estado Nacional de gerar essa perspectiva distributivista, através de políticas públicas inclusivas com um sistema de integração agroindustrial e industrial de micro, pequenos e médios produtores (rurais e urbanos), dentro de uma perspectiva de produção multivariada de espécies agrícolas passíveis de produção de etanol e óleo vegetal sob as mais diversas condições de solo, clima, disponibilidade de água e tamanho das propriedades rurais em todo território nacional.

Urge a criação de uma empresa de economia mista (completamente separada da Petrobras), integradora a montante e a jusante da atividade agrícola e aquícola para produção de biocarburantes, totalmente especializada na produção de biocarburantes, que trate desta questão como uma política de Estado. Uma “Biocombustível Brasileiro S.A.-Biobrasil” nascerá imensa, como maior empresa de biocombustíveis do Planeta. 

Sangue suor e lágrimas na crônica de uma morte anunciada 2 – infernos dos outros possíveis pra nós


Como nunca vivemos a desgraça da cobiça mortal e em massa de grandes potências (ao menos da independência para cá) buscamos a opinião de quem vivenciou existencial, política e tecnicamente a divisão do seu mundo pela busca de petróleo. Para tanto, realizamos em maio de 2008, entrevista com o Professor Doutor em Físico-Química pela Universidade Belga de Louvran, militante palestino ex-presidente e atual secretário geral da Confederação Palestina para a América Latina e o Caribe (COPLAC), Professor Dr Hanna Safieh (foto ao lado da sua esposa Jacira - abaixo).

Nabuco – Hanna, você conhece a fundo a questão do petróleo e, nela, a questão da geopolítica do petróleo. Normalmente as pessoas no Brasil não têm entendimento do significado de divisão internacional, do significado de guerras internacionais, do que significou a questão do petróleo para a sua região (Oriente Médio). Em primeiro lugar eu queria as suas credenciais. Você é doutor em...

Hanna Safieh – Físico-Química da Combustão pela Universidade Católica de Louvran (Bélgica) e tenho dois mestrados também de lá.

Nabuco – Hanna,  você foi dirigente palestino... 

Hanna Safieh – Eu fui presidente das comunidades latino-americanas de origem palestina, que tem a Confederação Palestina que nós temos quinhentos mil filiados e nós fomos presidente durante oito anos dessa entidade. Atualmente eu sou Secretário Geral.

Nabuco – É COPLAC  a sigla...

Hanna Safieh – É Confederação Palestina para a América Latina e Caribe

Nabuco – Hanna, eu queria que você narrasse para mim a questão da história do petróleo e o significado dela para a região de vocês.

Hanna Safieh – A região do Oriente Médio e para o mundo. É o seguinte, vamos para poder entender bem a maneira com que a geopolítica do petróleo foi conduzida, nós precisamos ir já nas origens de quando foi que o petróleo foi escolhido como fonte básica da energia do mundo.Você sabe que a revolução industrial foi feita à base do carvão mineral. O carvão mineral tem os seus problemas de extração – que são pedras, rochas que precisam ser quebradas uma por uma dentro de minas subterrâneas onde circula o gás metano de vez em quando e até os dias de hoje temos acidentes dentro das minas e geralmente custa muito caro. Por exemplo, dois países ainda que exploram muito o carvão mineral (a China e os Estados Unidos), agente escuta anualmente um, dois ou três acidentes graves aonde tem centenas de mortes. Dois, o carvão mineral sendo pedras, ele é muito complicado para o transporte. Os sólidos não fáceis de transportar de um lado para outro do mundo. Nós estamos falando da revolução industrial não é? Em meados do século XIX as potências daquela época estavam preocupadas com o que é que elas iam substituir, o que vai substituir o carvão mineral para o motor da energia mundial. Da economia mundial. Porque o que gera a economia mundial é justamente a produção industrial e a produção industrial precisa de energia. E essa energia de que estamos falando é de um volume muito grande. Nós não estamos falando de um volume pequeno. Lembre-se que a Arábia Saudita produz sozinha 8 milhões de barris de petróleo por dia. Para agente ter uma idéia de que estamos falando. Nós não estamos falando de uma quantidade pequena de energia.
Você sabe que para as nações, eles raciocinam em cima de um tripé. Quem domina, tem quem domina as fontes de energia, acumula as riquezas e o acúmulo das riquezas traz o poder. E como todas as nações fazem uma luta pelo poder, resultado, a luta pelo poder se transforma numa luta pelas fontes de energia. Resultado, nessa indecisão nos meados do século XIX do que é que ia substituir o carvão mineral, eles estavam fazendo estimativas, os economistas, de que o carvão mineral seria a fonte principal de energia até 1920.  Quando terminou a guerra de secessão nos Estados Unidos, em 1860 um coronel chamado coronel Dreick, na Pensilvânia nos Estados Unidos, ele estava cavando um poço de água e de repente jorrou petróleo e com muita força. Isso foi um up para a história do Petróleo como substituto da energia. Por que? Porque o petróleo já era conhecido por todo o mundo desde a antiguidade. Onde é o Iraque hoje, o petróleo é uma fonte, tem “olheiros” (como se fosse de água), só que jorram com pequena pressão como “olheiros de água”. Era usado na antiguidade para impermeabilizar os navios, era utilizado para fazer estradas (juntar com areia pra fazer estradas para passar as carroças), construíam casas com ele porque misturavam a areia com essa massa viscosa e faziam paredes com ele, usavam nas lamparinas, usavam para a guerra (lembra que faziam nas catapultas uma bolas misturando petróleo com pedra etc e ateavam fogo para jogar no inimigo). Bom, resultado, era conhecido o petróleo, mas não sabiam se ele poderia vir a ser a fonte de energia para o mundo inteiro. Mas quando na Pensilvânia jorrou em grande quantidade, disseram “puxa é isso aqui que vai ser o substituto” porque sendo líquido o petróleo é muito mais fácil que o carvão mineral para ser transportado, porque você bota ele em dutos, bota pressão e você empurra ele nos dutos e você recolhe do outro lado. Para carregar em cima de navios é muito mais fácil que carregar pedras. Os volumes que você pode transportar são muito maiores que pedras. As pedras como elas são sólidas e não se deformam, elas ocupam um volume muito maior porque você vai ter nos navios espaços vazios enormes. Bom, tem uma série de vantagens o petróleo.
Agora aonde tinha o petróleo conhecido naquela época? Bom, um pouco nos Estados Unidos porque jorrou lá petróleo, mas era o Oriente Médio, era onde tinha o petróleo conhecido era no Oriente Médio. E daí, as nações, as potências daquela época, que eram aliadas entre elas, que eram a Grã Bretanha a França e os Estados Unidos eles, em diversas reuniões entre eles, decidiram que o Petróleo iria ser o substituto e o petróleo se encontrando no Oriente Médio que era dominado naquela época pelo Império Otomano, o Oriente Médio fazia parte do Império Otomano, que estava em decadência e que estava quase no fim da vida dele. Aí eles montaram um plano de que como é que eles podem dominar o Oriente Médio para conseguir esse petróleo para eles depois da queda do Império Otomano.

Nabuco – A data disso...

Hanna Safieh – Estou falando para você em volta tudo isso de 1870 a 1880. E pra isso elaboraram um plano para dominar essa região depois da queda do regime do Império Otomano. Lembro a você que o Império Otomano caiu em 1919, depois da Primeira Guerra Mundial. Mas voltando lá no século XIX, por volta de 1880, se elaborou o plano em três pontos. De dividir, depois da queda do Império Otomano, o Oriente Médio (ou seja, os países árabes) em um número muito grande de pequenos países não viáveis nem politicamente nem economicamente. Colocar restrições fortes sobre o acesso desses países a educação, ciência e tecnologia. E limitar o acesso desses países a armamentos. Essas são as estratégias. Simples, (parece ser muito simples) mas ela é eficaz, funciona. E, um anexo a esse plano, para poder consolidar esse plano, para que esse plano pudesse perdurar no tempo (lembra que em 1880 o petróleo vai ser útil para eles em 1920, a previsão era 1920). Na verdade o petróleo entrou com força no mercado internacional em 1930. O erro deles foi só de 10 anos.

Nabuco – Só um parêntese. Então você ta querendo colocar que essa geopolítica tem 40 anos de construção...

Hanna Safieh – Claro, as nações não brincam. Elas sempre se preparam para o futuro. Se ta falando aqui da energia mundial, da demanda mundial de energia que se ela parar fracassam, as nações fracassam. Você já imaginou faltar energia? O que é que vai acontecer com as nações tipo Estados Unidos, Alemanha, Brasil, etc, se nós não temos energia? Você não tem como produzir os bens para a sua sociedade. O caos econômico que vai ser; caos social que vai ter no mundo. Você ta falando do “sangue” da economia. Aí resultado, pra poder consolidar isto eles precisavam de um território no Oriente Médio que pode servir de base pra eles pra poder interferir rápido caso onde aconteça alguma coisa.
            Quando você fala a nível internacional para as potências você fala de que uma base para outros países, geralmente as bases que eles escolhem têm que ser uma base que tenha uma costa. Porque para as nações, qualquer país do mundo que tenha uma costa marítima, uma costa qualquer que possa traçar nela, pra eles é uma extensão do território. Eles vêm com os navios deles, atracam, desembarcam, guerreiam, ganham e voltam. Recentemente a guerra das Malvinas em 1982 prova isso. Chegou a Grã Bretanha do Norte da Europa, desceu o Atlântico todinho, foi até o Sul do Atlântico, nas Malvinas, guerreou com os argentinos, ganhou dos argentinos e regressou. Resultado, quando se fala das nações ocidentais querendo um base que tenha uma costa marítima no Oriente Médio, você está falando, se você olha o mapa você está falando da costa oriental do Mediterrâneo. Porque eles descem o Atlântico, entram por Gibraltar no Mediterrâneo, e vão até o final. Vamos ver o mapa que está aqui  (nos dirigimos até um mapa F.N). Os países do petróleo estão aqui no Golfo. Os países ocidentais aqui, Estados Unidos, a Grã Bretanha e a França. Para eles virem para o Oriente Médio eles descem entram por Gibraltar, atravessam o Mediterrâneo, aí eles criam uma base aqui, nessa costa oriental. Nesta costa oriental eles colocaram três condições para esta base, para qual o país que vai servir para isso.
O país tem de ser pequeno, com população relativamente pequena. Porque você pode dominar um país pequeno por muito tempo, não pode dominar um país grande. Dois, e esse é fundamental, o país escolhido não pode ter uma barreira natural geográfica. Por quê? Porque as forças, desembarcando nesse país têm de fluir fácil para a região do Golfo, certo? E terceiro, tem de ter uma costa larga. Se você olha a costa do mediterrâneo oriental qual são os países que você tem? Vamos do sul para o norte. Você tem o Egito. Esquece, o Egito é um país muito grande para dominar e as potências têm uma experiência grande em tentar dominar o Egito. A França a Grã Bretanha na história tentaram várias vezes e “quebraram os dentes”. Resultado, esquece! Aí você tem a Palestina, possibilidade, país pequeno, costa larga, grande, costa mediterrânea, não tem barreira geográfica. Depois em cima tem o Líbano, país pequeno, também poderia servir, só que ele tem uma barreira geográfica natural terrível, que é o Monte Líbano. Naquela época era oito meses do ano intransponível, porque anualmente a neve acumula mais de dois, três metros de neve em cima. Naquela época era intransponível. Até hoje também viu? Forças terrestres não passam fácil não viu? De maneira alguma. Resultado, foi escolhida a Palestina, e fazer da Palestina uma base ocidental (a serviço do ocidente) para poder dominar o Oriente Médio. Caso se tenha qualquer necessidade de intervenção seria através dessa base. Ok? Ficou claro essa parte?Isso aqui foi por volta de 1880 que foi feito isso.  E as potências começaram a trabalhar em função disto.
            Eu não vou entrar nos detalhes da questão Palestina e como é que a questão judia se incrustou no problema e que era uma outra questão. Resultado, no final das contas esses países ocidentais sustentaram o Império Otomano até enquanto eles podiam. Tava totalmente decadente, tava falido e eles estavam sustentando o Império porque era bom que ele tomava conta deste território enquanto eles não precisavam do território. Entendeu? Até a chegada da Primeira Guerra Mundial o Império Otomano se colocou do lado dos alemães e se colocou com o eixo, a aliança do eixo, contra os aliados que eram a França a Grã Bretanha e os Estados Unidos que entrou na guerra. Quando terminou a guerra, da Primeira Guerra Mundial, você lembra que formaram a Sociedade das Nações. E o primeiro ato que a sociedade das nações tomou foi de colocar a Palestina sob mandado Britânico! Porque eu falei que tinha entrado a questão judia lá dentro. Você veja, as potências tinham escolhido em 1917 (através da declaração Batfull) eles decidiram de fazer a colonização da Palestina através dos judeus. Certo? Que é isso que eles votaram na Sociedade das Nações que a Plestina fica sob mandado britânico. E você pode abrir hoje a sua internet e ver o mandado britânico sob a Palestina, ver quais são as resoluções da Sociedade das Nações, quais são as resoluções, você vê claramente que foi colocado sob mandado Britânico para poder criar um Estado Judeu na Palestina. Mas que seria a serviço deles, que teria a responsabilidade de cumprir com aquele papel que eles desenharam em 1880. Entendeu? Isso que foi feito! E aí dominaram aquela região através disso. Até hoje a questão palestina, a palestina ainda está sendo dominada pelas forças sionistas que criaram o Estado de Israel, e até hoje esse Estado está fazendo o papel que as potências queriam, que garante o fornecimento de petróleo para eles etc. O Oriente médio...o plano deu tão certo que até hoje o Oriente Médio está dividido num número grande de países. O Oriente médio está inviável, politicamente e economicamente, com toda essa riqueza de petróleo está indo para tudo, menos para os países árabes, para os povos árabes. Resultado, o plano deu certíssimo com eles. E esse plano vai continuar. Estou dando agora o exemplo do Oriente Médio. O Oriente Médio teve também mais outros detalhes durante todo esse tempo que eu não estou citando pois estou pegando macroscopicamente. Mas você sabe muito bem que em qualquer lugar do Oriente Médio, onde o povo do Oriente Médio queria tomar as rédeas do seu destino, sempre foi esmagado com fogo, sangue, tudo que você quiser viu? Todas essas revoltas foram dominadas dessa maneira, e você teve intervenções dramáticas no Oriente Médio. Você sabe que (não me lembro se foi em 1952 ou em 1953, no máximo 1954) no Irã, onde teve o movimento nacionalista iraniano que era o Mossadeq, ele foi simplesmente assassinado  pela CIA (hoje não é segredo pra ninguém). Foi assassinado o primeiro ministro (Mossadeq no Irã) e trouxeram um menino, da família Parlev e disseram “agora esse menino vai ser o imperador de vocês, o Xá” e ficou o Xá até 1976, quando teve a revolução Iraniana do Aiatolá Khomeini. No Iraque, o tempo todo teve intervenções das potências estrangeiras dentro do Oriente Médio pra poder dominar sobre o petróleo.
Pra não ficar somente falando de Oriente Médio, você sabe bem que todos os países onde foi descoberto petróleo sofreram esse tipo de pressão. Você sabe bem que na África, por exemplo, você teve nos anos 60 uma guerra extremamente sangrenta, que foi a guerra do Biafra, na Nigéria. O Biafra é justamente a região onde foi descoberto o petróleo lá na Nigéria e foi provocada uma guerra lá que morreram eu não sei dizer a você quantas centenas de milhares ou se chega a milhões. Que foram massacres terríveis que foram cometidos no Biafra nos anos 60. A guerra do Biafra se não me engano foi em 1967, 1968, 1969, 1970. Foi muito, muito, muito violenta, marcou fortemente os anos 60. E desta maneira sempre você tem isto aqui. Todos os livros que falam sobre a história do petróleo repetem a mesma questão, qual seja, a de que a indústria dos países desenvolvidos funcionam a base do sangue dos países onde se encontra o petróleo. De um modo geral foi isso aqui que aconteceu.
Até você percebe no mundo movimentos pacifistas entre aspas que nascem nessas potências e que as pessoas pensam que são pacifistas, mas não são pacifistas. Por exemplo, no Oriente Médio, teve uma tentativa de querer fazer paz porque as potências pensavam que não iam mais necessitar do petróleo de lá. Nos anos 80 começou o movimento de pacificar o Oriente Médio; por quê? Porque as nações pensavam que realmente já decidiram qual iria ser o substituto para o petróleo. O substituto ia ser a energia nuclear. Só que quando chegou Chernobyl,  Chernobyl chegou e botou uma pedra, que a energia nuclear não pode ser a fonte principal da energia do mundo inteiro, porque ela necessita de uma tecnologia muito avançada, ela precisa de uma responsabilidade muito grande das nações de manter os equipamentos, porque a manutenção de uma central nuclear não é fácil. Custa dinheiro e não é fácil. Resultado, o país que é pouco estável pode chegar lá e sacrificar a manutenção a favor de outra coisa e provocar um desastre. Só que um desastre nuclear não afeta somente onde acontece. Chernobyl afetou toda a Europa Ocidental. Eles conseguiram “abafar” o assunto, mas até quase o ano de 1999 eu vi dados que no sul da França ainda existiam pessoas atingidas pela radiação e que escaparam de Chernobyl. A energia nuclear não é um brinquedo.        
Se você me pergunta sobre “e aí, qual vai ser o futuro das nações”? Qual vai ser a energia do futuro das nações? É muito difícil de responder a isto. Primeiro vai ser um grande mix. Vai ser energia solar, vai ser energia eólica, a hidroelétrica é sempre uma opção grande, mas ela é limitada pelas reservas de água (que no Brasil são grandes mas que os outros países não têm) vai ser um pouco da energia nuclear também, mas eu acho que vai entrar a bioenergia  com uma força muito grande como energia renovável, porque é a única maneira. Ela é líquida, fácil de ser transportada, não é muito complicada de produzir.(grifo do autor)
Na questão, digamos, do álcool como fonte de energia, isso já ta quase dominada essa tecnologia com rendimentos muito fortes na parte de extração de álcool da cana, a fermentação para produzir mais álcool. Isso aqui foi muito desenvolvido. Eu não tenho os números na cabeça, mas quando se começou...na verdade o álcool começou há muito tempo a ser utilizado como energia. Ele teve duas fases. Ele teve uma fase, nos anos 20 e 30, teve uma segunda fase nos anos 50, logo depois da Segunda Guerra Mundial (e durante a Segunda Guerra Mundial) e chegou com força com a crise do petróleo de 1973. Se agente vai pegar de 1973 quando vai chegar realmente com força, como energia a ser queimada e se sustentou. A produção de álcool com base na cana foi muito pequena no início. Hoje, talvez, ela está vinte vezes maior. Porque todos os estudos, as pesquisas que foram feitas sobre  fermentação, sobre a produção de álcool, destilação, tudo isso aqui, teve um resultado fantástico. Os motores também. Inicialmente de 1973, 1975, 1976, 1980...se comprava um carro a álcool você estragava o seu motor. O fator corrosivo do álcool era muito forte. Hoje já fazem com materiais que agüentam isso, que sustentam isso, tudo isso tranqüilo.
Sobre a parte de diesel, sobre o biodiesel. O biodiesel ainda está fazendo os primeiros passos. Industrialmente hoje a produção já é relativamente considerável. O governo brasileiro teve o mérito muito grande de chegar e não ficar demorando para jogar isso no mercado. O biodiesel está sendo feito ainda em três formas. Usam eles em três formas. Eles usam ele na forma mesmo de biodiesel que exige a transesterificação do óleo vegetal. Essa reação da transesterificação industrialmente ainda não está super bem dominado. Isso aí vai ter que ter muita pesquisa nessa área para poder chegar a resultados cada vez mais fortes. Eu não tenho a menor dúvida que aqui no Brasil temos um quadro de cientistas capaz de superar essa fase e em tempo recorde.  Só não foi feito porque não estava na prioridade e não tinha financiamento para isso. Hoje o governo federal está colocando recursos para esses estudos, bastante para isso. Eu acredito que nos próximos 5 a 6 anos nós vamos ter um resultado muito importante. Você sabe bem que na ciência os resultados científicos quase seguem a teoria quântica. A gente passa uma fase assim onde as coisas estão se desenvolvendo assim e de repente aparecem os resultados todos de vez. É lógico, com todo mundo hoje sendo financiado para estudar várias áreas, vários aspectos disso aqui, todos estão estudando, resultado, não tem resultados novos pois a pesquisa precisa de 4 a 5 anos. Daqui a 4 a 5 anos você vai ver estourar os resultados: um sobre fermentação, outro sobre a transesterificação, outro sobre a produção agrícola, outro sobre não sei o que e o produto disto, o que se chama de tecnologia não é o resultado de uma pesquisa. Tecnologia é o somatório de um número enorme de pesquisas e seus resultados que fazem com que você tenha uma nova tecnologia.
Esse foi um primeiro ponto. Um segundo ponto, foi super inteligente por parte do Brasil, de pegar o óleo vegetal e colocar no craque da destilação do petróleo (na fase anterior ao diesel) jogar lá dentro e destilá-lo. Aí sai junto com o diesel. No lugar de você ter cinco litros de diesel de gás você vai ter sete (por exemplo). Foi uma excelente idéia de fazer isto porque já força a criação de o pessoal começar a produzir esse óleo vegetal em grande quantidade. Porque pra você fazer esse plantio, produção, estimular as pessoas, você tem de plantar, recolher e colher, certo? O que é que o Governo Federal ia fazer com tanto óleo vegetal armazenado? Ou ele quebrava as indústrias de óleo comestível, aí o que é que ia fazer com isso. Aí encontrou essa saída: joga na refinaria e mistura ele e sai destilado como diesel. Perfeito.
Segunda coisa, pegou o diesel e começou a fazer como o álcool (pegaram a gasolina e começou 5% de álcool, hoje estamos de 25 a 30% de álcool na gasolina) aí começou, não sei, coloca 2 a 3% de óleo vegetal dentro do diesel e queima nos motores. Perfeito.

Nabuco – Agora Hanna, eu queria dar um encaminhamento para a entrevista pelo seguinte, outro dia aqui conversando com você e você fez uma transposição espetacular (que eu na verdade tava pensando isso, mas não tinha subsídios para fazer maiores afirmações) da questão geopolítica dos biocombustíveis. Pela primeira vez o Brasil entra no cenário mundial como elemento estratégico (como entrou a região de vocês) para a questão energética. E aí me lembro que você pegou e disse o seguinte: o Brasil é um gigante de pés de barro. Qualquer força do Oriente Médio hoje tem umas forças armadas maior e mais capaz do que a nossa (grifo do autor).  Eu, recentemente, reli esse livro, “Amazônia, Integridade do Brasil” de Artur Cezar Ferreira Leite (esse é um dos maiores entendedores, falecido recentemente, sobre a questão amazônica). Foi um livro escrito em 1966 e Reeditado Pelo Congresso Nacional em 2001 com Ramiz Tebet (falecido ano passado) como presidente do Congresso. Nesse livro o autor já coloca que na verdade desde Tordesilhas que a Amazônia é área de contenda internacional. E mais precisamente no século XIX os estados Unidos entram na questão. Naquele momento os Estados Unidos entram por motivos outros (agrícolas e de obtenção de pescado e especiarias) mas entram e entram já querendo tomar efetivamente o território e já colocando a questão da Amazônia como uma necessidade para os norte americanos e criando (é curioso isso aqui), o autor coloca já em 1966 que o discurso dos americanos para a entrada na Amazônia no século XIX era o discurso da Amazônia como necessidade para o bem estar do planeta. Então quando você colocou a questão do Brasil como um “gigante de pés de barro” me veio na cabeça o seguinte: nós brasileiros temos sempre a idéia de que as catástrofes mundiais acontecem no restante do mundo, não aqui. Quando na verdade boa parte das catástrofes já estão aqui: a fome, a violência extremada etc. Então a Somália é distante, a Somália não está no Nordeste está na Somália, quando na verdade também ela está no Nordeste. Então transferindo essa questão do petróleo para os biocombustíveis (que na verdade é uma transferência de questão), e aí quando você coloca que foram 40 a 50 anos de construção geopolítica até que ela realmente agisse, eu queria que você desse a sua opinião sobre essa questão. E inclusive quando você me mostra no mapa os elementos necessários para a entrada (invasão) das grandes potências para a produção de energia e quando agente olha nesse mesmo mapa que a entrada na Amazônia é de uma facilidade absurda e de uma extensão absurda, com rios com calado de 150 metros, entrada de um lado e de outro do continente com o Canal do Panamá cortando no meio. São inúmeras as possibilidades com um território absolutamente descolonizado. Eu queria ter a sua opinião sobre a questão agora sob a ótica de uma geopolítica mundial bioenergética (grifo do autor).

Hanna Safieh  - Você falou muito certo. A Amazônia sempre foi por várias razões extremamente importante. Eu vou citar um exemplo. A Amazônia hoje ela é fundamental para os Estados Unidos por causa do oxigênio, porque ela cobre o déficit de oxigênio dos Estados Unidos. Agora voltando para o nosso problema de energia, evidentemente quando nós falamos de bioenergia se está falando de plantação. E quando se fala de plantio você precisa de área. Você precisa de grandes áreas e áreas que têm condições de produzir em condições competitivas. Condições competitivas você vai tê-las se você tem água...terra abundante, água abundante e sol abundante. Isso aqui você olhando o mapa, você vai ter isto nas regiões a nível da Amazônia, do Nordeste, você vai chegar na África em volta do Congo (mais ou menos). Se você chega um pouco lá em cima (isso aqui porque o clima não é totalmente horizontal), você terá isso aqui na Índia (um pouco). Mas você sabe bem que em todos os territórios que você tem, você tem, digamos, a África ta ainda muito problemática hoje, com as suas guerras entre os Estados, guerras internas, guerras tribais etc, tudo isso ainda a África está em turbulência e dois, ela está longe ainda de poder estabilizar e chegar a ter, digamos, terras grandes disponíveis para o plantio racional para biocombustível. Vai chegar no futuro, digamos, mas vai levar tempo. A Índia vai ser muito complicado plantar, fazer grandes plantios na Índia, porque a índia tem população enorme, os donos de terras são de pequenos lotes. O único território que pode ter grandes possibilidades é o território amazônico e o Nordeste brasileiro (fora o Centro-Sul F.N).
            Evidentemente (eu não tenho documento que comprova isto) mas evidentemente a transposição do Rio São Francisco não é uma coisa estranha a produção de bioenergia. Porque temos áreas enormes e muito férteis no Nordeste brasileiro que não estão sendo plantadas por falta de água. E trazendo água para isso aí a coisa muda. Essa transposição de água é extremamente positiva e economicamente viável.
            Evidentemente como diz você, todas as potências ou elas querem ter as fontes de energia ou dominar, certo? Nós no Brasil nós temos que ter muito cuidado porque nós somos privilegiados pela natureza, nós estamos com um território que permite isto, permite esta produção grande de bioenergia. Nós vamos ser muito disputados pra poder. Cada um que quer meter a sua colher aqui dentro. Nós vamos precisar ter uma diplomacia (que sempre a diplomacia brasileira se destacou de saber resolver os problemas de maneira negociada, nós temos diplomatas de primeira linha, o Itamaraty sempre foi uma instituição muito sólida no Brasil) agora nossas forças armadas não são suficientes para o território que a gente tem. Ainda os governos não investiram fortemente nisso aqui por duas razões: uma porque custa muito caro e o Brasil ainda precisamos investir na nossa infra-estrutura e se eles vão para investir fortemente nas forças armadas  (numa corrida armamentista) vai ser problemático, mas tem de acontecer, não tem como escapar (grifo do autor). Especialmente essa crise atual, que aconteceu agora entre a Colômbia e o Equador e a maneira com que a Venezuela reagiu, a diplomacia brasileira foi muito hábil de poder contornar a crise, certo, mas essa crise já é um sinal que podemos ter problemas na Amazônia. Tudo que aconteceu, isto foi na Amazônia! E temos que fortificar. Não temos como deixar de fortalecer militarmente o Brasil para proteger, porque uma vez que começa...nós temos na verdade uns 15 a 20 anos ainda pra se preparar, porque o petróleo com certeza vai ficar até 2020, 2025 como a fonte principal da energia mundial. Vai decrescendo viu, mas vai ficar ainda esse tempo como principal. Em 2025, 2030 já começa a ter problemas com petróleo porque o petróleo não pode ser usado na sua totalidade para energia, que o petróleo passou a ser também um insumo fundamental na nossa sociedade de bem-estar através da petroquímica. Tudo que a gente usa tem dentro dos seus insumos o petróleo. Dentro da escova de dente que agente usa tem plástico,  aí temos nossos sapatos, nossas maquinarias, todos os instrumentos que agente usa, de telefone  de computadores etc. O petróleo está em tudo que agente usa. Tudo.

Nabuco – A Amazônia é um imenso vazio com apenas dois enclaves que são Manaus e Belém.

Hanna Safieh – Você está falando da questão da habitação...

Nabuco – Exatamente, é um imenso vazio com dois enclaves industriais.

Hanna Safieh – Bom, veja bem que a Amazônia até agora, digamos, se faz alguma coisa racional tem como fazer uma ocupação do território da Amazônia programado e planejado sem provocar grandes danos. Porque o solo da Amazônia é um solo muito fino, não tem muita profundidade, pouco profundo. É um péssimo solo para a agricultura mas ele é bom para a árvorecultura.

Nabuco – Uma dessas arvoreculturas é o Dendê que é a mais produtiva de  todas  as oleaginosas...

Hanna Safieh – Resultado, você pode começar simplesmente a começar a fazer uma programação de tirar áreas de desmatamento de certas áreas da Amazônia e replantar com árvores oleaginosas. Se você faz esse plantio lógico que você faz concentrações habitacionais  para poder tomar conta. Tem de abrir estradas...

Nabuco – Uma programação de colonização do território amazônico...

Hanna Safieh – Sim.

Nabuco – Agora, pra concluir, poderemos ou não poderemos ser o Oriente Médio nos próximos 40 anos?

Hanna Safieh – Eu não tenho dúvida que o Brasil vai ser um dos principais fornecedores de energia para o mundo nesse século XXI.
Nabuco – E em decorrência...

Hanna Safieh – Chegando nos meados do século XXI eu acho que o Brasil vai ser uma das grandes potências porque vai ser o fornecedor...se tudo sair bem como está sendo planejado, o Brasil não sofre nenhuma divisão entre ele. Não sofre ocupações externas. O Brasil vai ser um dos principais fornecedores da energia para o mundo, um dos principais fornecedores de alimentos para o mundo e um dos principais fornecedores de produtos industrializados para o mundo.

Nabuco – Em decorrência dessa questão energética, essa é a grande questão, também poderemos ser um dos grandes elementos de cobiça e divisão como aconteceu no Oriente Médio?

Hanna Safieh – Com certeza. A palavra que eu estava procurando era justamente essa, cobiça. Nós vamos ser muito cobiçados...(grifo do autor)

Nabuco – Podemos ser divididos então...

Hanna Safieh – Nossos estrategistas têm de trabalhar todas essas hipóteses para poder prevenir que ela não aconteça. E tudo isso na história mundial aconteceu! Resultado, nós temos de ser inteligentes e começarmos a nos preparar de hoje para evitar que isso aconteça conosco. Eu sempre  repito em todas as minhas conferências dizendo o seguinte sobre a geopolítica internacional: NÓS, NO BRASIL TEMOS DE ESTUDAR MUITO BEM, MUITO BEM, A FUNDO, A HISTÓRIA DO ORIENTE MÉDIO PARA A GENTE TIRAR AS LIÇÕES PARA QUE ISSO NÃO ACONTEÇA CONOSCO. ESTUDAR, VER TUDO O QUE ACONTECEU E NOS PREPARARMOS PARA QUE ISSO NÃO ACONTEÇA CONOSCO (grifo do autor).

Nabuco – Hanna, a única coisa que tenho a dizer é agradecer, de novo, por mais uma aula.

Hanna Safieh – Não tem que agradecer nada...


A entrevista com o professor Hanna foi elaborada com o objetivo de levar uma informação mais dilatada ao público em geral da problemática em tela. Não estamos tratando de questões agrícolas, mas de um momento ímpar de reestruturação histórica da base do sistema de produção de riquezas. O problema é que nessa reestruturação nós somos o grande eixo e não estamos preparados estrategicamente para suportar a cobiça mundial que cairá sobre nossas costas.
            O professor Hanna Safieh foi bastante condescendente com a questão (talvez por não querer ser alarmista), ao ponto de ser suave em algumas conclusões. Se temos que aprender com a história do Oriente-Médio para agirmos na geopolítica bioenergética então, por exemplo, 15 anos é muito pouco tempo e nós já deveríamos estar agindo fortemente. Não estamos.
Os países do oriente médio (16 ao todo) possuem um território de 6.820.244 km2. Somente o estado do Amazonas tem 1.570.745,68  Km2 (23% da área do Oriente Médio) de terreno com imensas dificuldades  para construção de infra-estrutura. Por outro lado, enquanto que a população do Oriente Médio está em torno de 363,4 milhões de habitantes, toda a população do Norte do Brasil é de  14,6 milhões de habitantes. A esmagadora maioria do Oriente Médio simplesmente não tem serventia para a agricultura. Não é o caso do Norte, muito pelo contrário.
Estudar a história do Oriente Médio[1] é, acima de tudo, entender que a nossa entrada no cenário energético mundial é absolutamente repleta de falta de compromissos com a estratégia geopolítica. Não a possuímos. Não temos nenhum plano pragmático de atuação para colonização amazônica e justificar a fraqueza das nossas forças armadas por questões econômicas hoje, é absurdo. A agroenergia amazônica financia mais que suficientemente uma “corrida armamentista”. Mas ao contrário, o que temos é a completa falta de política agroenergética, inclusive com a mística de que o território amazônico é igual, prestando-se apenas para plantio agroflorestal, sem falar num ministério do meio ambiente que internacionaliza cotidianamente a região perante a opinião pública mundial e um executivo que aceita e concorda com tais posições pois não a demite diante dos perigos mais que anunciados.
Recentemente o Brasil celebrou um acordo militar com a França. Não é um acordo simples, mas trata-se de um amplo espectro de ações de treinamento e defesa conjunta de territórios com aquisição de equipamento bélico:

No início de 2008, foi assinado entre as partes um significativo acordo de cooperação militar denominado Status of Force Agreement. Os Presidentes Lula e Sarkozy tiveram 4 encontros em 2008 para consolidar a aliança estratégica Brasil-França na área de Defesa. O primeiro encontro será em 12 de fevereiro, no Oiapoque, na fronteira Brasil-Guiana.
Em 23 de dezembro de 2008, eles assinaram um protocolo formal para a Aliança Estratégica e deflagraram os grupos de trabalho bilaterais para definirem novos programas em diferentes áreas de interesse.
Embora envolva também a área civil, o carro-chefe da Aliança Estratégica é mesmo a área de Defesa, com
Contratos de US$ 12 Bilhões envolvendo 4 submarinos de propulsão convencional (diesel-elétricos) SBR, 1 nuclear SNB, 50 helicópteros EC-725, Programa Soldado do Futuro, etc.
Uma cooperção importante é o projeto do Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGB), iniciativa que envolve vários ministérios e órgãos governamentais. As duas partes decidiram aprofundar a cooperação em matéria de sistemas satelitais geoestacionários de telecomunicações, de navegação e de meteorologia no quadro do projeto de desenvolvimento do satélite geoestacionário brasileiro.
Os grupos europeus Thales Alenia Space e EADS Astrium desejam construir e/ou desenvolver em conjunto com o Brasil o sistema satelital, negócio que, se viabilizado, deve envolver mais de US$ 600 milhões. O governo brasileiro já discute a possibilidade de modelagem do SGB a partir de Parcerias Público Privadas, isto é, prestação de serviços por entes privados por meio de concessão remunerada pelo Estado.
Para 2009, ainda será possível o fornecimento de 26 caças Rafale F3 para a FAB no Programa FX-2. Está em estudo ainda parceria para um sistema de monitoramento do território brasileiro e das áreas marítimas, com o objetivo prioritário de proteger as vastas reservas de petróleo recém-descobertas no litoral brasileiro, na camada do Pré-Sal. (ACORDO ESTRATÉGICO COM A FRANÇA. Brasília: Ministério da Defesa, 2008. Disponível em <http://www.defesabr.com/MD/md_franca.htm>Acesso em: 13 set. 2008).


Entramos no cenário internacional e sob a cobiça internacional. Nosso visinho do Norte é um Império, pragmático quando se trata em ganhar dinheiro. Na verdade pragmatismo não falta as potências internacionais que sob a ação hegemônica norte-americana viabilizaram a invasão do Iraque duas vezes. Como o presente capítulo é para uma reflexão extra sobre a problemática tratada na nossa tese, não nos alongaremos mais. Contudo, encerraremos com uma reflexão feita de maneira despretensiosa por Joaquim Nabuco, na segunda metade do século XIX, quando então o mesmo servia à embaixada brasileira nos Estados Unidos:  

Não se pode dizer desse país que ele tem ideal. É o país prático por excelência, que tem a admirável qualidade de bem ou mal governar-se a si mesmo. Não lhe falta virilidade, mas tudo nele serve a fins materiais. A instrução pública, que está tão desenvolvida, só tem tido esse desenvolvimento por ser um elemento do business. Ganhar dinheiro é o fim real da sociedade americana [...] Quanto ao ideal, discute-se hoje a ocupação do México como se fosse território americano. Cuba, que tem acreditado nas simpatias americanas, esvai-se em sangue, enquanto eles discutem se devem tomar ações, ser acionistas da independência da ilha, que é uma companhia que apenas não tem acionistas, por não prometer dividendos. Um jornal que governa um partido, sob condições, admira-se de que o governo do México ponha obstáculos à invasão armada de seu território, acha que as suas perguntas são  impertinentes e aconselha ao governo que não se explique. Invadir um país sem explicar-se, e quando se é vizinho, e se está em paz! O tratado com a Inglaterra, que resultou no congresso de Genebra, levaria a crer que os Estados Unidos são o país do direito internacional. A política estrangeira americana, porém, resume-se em um princípio: o interesse americano. Esse procedimento com o México descobre a verdade sobre o auxílio prestado pelo governo de Washington a Juarez e o fuzilamento de Maximiliano I. O México pertence aos Estados Unidos. O que é extraordinário, porém, é que uma fração do país tão adiantada como o Norte deseje ainda acrescentar aos golpes militares os pronunciamentos, e fazer um mosaico ainda maior de fraude, de anarquia, de militarismo e de revolução, do que a história do Sul já nos parece. (MELLO, 2007, v. 1, p. 182-183).          
       

Os motivos norte-americanos, de anexação para o caso amazônico, são hoje infinitamente superiores do que aqueles estabelecidos para a tomada de parte do território mexicano e da ilha de Cuba. O que continua a mesma é a pragmaticidade beligerante do seu povo e da sua diplomacia. É fato que começamos a nos dar conta das tarefas da nossa defesa. Mas falta um elo desse processo, a colonização efetiva e imediata do Norte do país.


[1] O Oriente Médio é composto por 16 países. São eles Arábia Saudita (2.217.949 km²), Iêmem (531.869km2), Palestina, Israel (20.700 km²), Líbano (10.452km²), Síria (185.180 km2 ), Bahrein (665 km2), Irã (1.648.195 km), Jordânia (97.740 km2), Omã (212.457 km2), Emirados Árabes (83.600 km2), Iraque (434 128 km2.), Kuwait (17 818 km2), Catar (11.437 km2), Turquia (800.000 km2)  e Egito.


terça-feira, 29 de junho de 2010

Obama, e as águias agroenergéticas

A imprensa mundial abordou recentemente a eleição do primeiro presidente negro norte-americano como um evento de proporções humanas nunca antes vista. Barack Obama passou a encarnar o que comumente se denomina de forma infantil “o politicamente correto”.

Sem delongas, Obama representa a continuidade, talvez bem mais acirrada, do que já tinha sido abordado por Bush quanto ao cenário energético mundial, ou seja, de que a produção agroenergética norte-americana será encarada como questão de segurança nacional para os EUA:

[...] Nós somos, e sempre seremos, os Estados Unidos da América.
Foi a resposta que levou aqueles a quem foi dito durante tanto tempo para serem cínicos e receosos e duvidarem do que somos capazes de fazer e para colocar as mãos na arca da história e vergá-la mais uma vez em direcção à esperança num dia melhor. [...] Neste país, levantamo-nos e caímos como uma nação só, como um povo. Resistamos á tentação de voltar a cair no mesmo sectarismo, mesquinhez e imaturidade que envenenou a nossa política durante tanto tempo.Relembremos que foi um homem deste Estado que pela primeira vez carregou a bandeira do Partido Republicano até à Casa Branca, um partido que teve por base a autoconfiança, a liberdade individual e a unidade nacional.Esses são os valores que todos partilhamos. E apesar do Partido Democrata ter conquistado uma grande vitória esta noite, fazemo-lo com a humildade e a determinação de sarar o que nos divide e que impediu o nosso progresso. E para todos os que têm os olhos postos em nós esta noite, para além das nossas costas, dos parlamentos aos palácios, para aqueles que se juntaram à volta de rádios nos cantos mais esquecidos do mundo, as nossas histórias são diferentes mas o nosso destino é partilhado, e uma nova aurora se levanta na liderança americana. Para aqueles que querem destruir o mundo: nós vamos destruir-vos. Para os que querem paz e segurança: nós apoiamos-vos. E para aqueles que se interrogam sobre se a luz de liderança da América continua viva: esta noite provamos, mais uma vez, que a força da nossa nação não vem do nosso poder militar ou da escala da nossa riqueza, mas do enorme poder dos nossos ideais: democracia, liberdade, oportunidade e esperança[...] (DISCURSO de Posse do Presidente dos EUA. Jornal De Notícias, São Paulo,21jan.2009.Disponível.em Acesso em: 16 mar, 2009, grifo do autor).
 
O discurso da vitória de Obama foi absolutamente claro quanto à duas questões centrais. A primeira delas, a de que o papel do presidente é dar aos Estados Unidos o fortalecimento da posição de potência mundial dominante. Império é império e os “filhos de César” não podem querer outra coisa que a manutenção do status quo. Nessa perspectiva uma segunda questão aparece, a de que Republicanos e Democratas podem ter suas diferenças, mas elas se completam nas grandes decisões estratégicas para a Nação. Assim, o que temos é um posicionamento claro. Haverá mudanças de planos, mas nem tanto. A reta traçada é e sempre foi a mesma, ser país dominante no mundo. E mais, com um aviso que para nós brasileiros deve ser considerado como absolutamente preocupante. É que no país dos super-homens “Para aqueles que querem destruir o mundo” um primeiro aviso : “nós vamos destruí-los” (DISCURSO de Posse do Presidente dos EUA. JornaldeNotícias,SãoPaulo,21jan.2009.Disponívelem Acesso em: 16 mar, 2009, grifo do autor).
 

Obama segue a mesma política internacional dos seus predecessores. O que é ameaçar o mundo? Para os americanos sempre foi aquilo que os atrapalha no caminho da construção permanente da grande nação americana do norte que apesar da sua “democracia, liberdade, oportunidade e esperança” tem no seu absoluto poderio militar e na força de vontade de potência do seu povo (no melhor sentido nitszchieniano) a força inigualével de buscar a todo custo seus interesses.
 
Bush era homem do petróleo. A ameaça do mundo era o Oriente Médio e a Ásia, grandes fontes de petróleo. Obama continuará a sê-lo enquanto os EUA precisarem de petróleo, mas o fim dos tempos dos vícios do petróleo anunciada por Bush se abre com Obama na era dos perigos que ameaçam o mundo. E abriu com a surpreendente vitória de um filme promocional de Al Gore (ex-candidato democrata a presidência dos EUA e grande apoiador de Obama) sobre o aquecimento global. “Uma verdade incoveniente” foi dirigido por Davis Guggenheim, e recebeu o Oscar de Melhor Documentário de 2007 tendo Al Gore como narrador, baseado nas suas palestras dadas pelo mundo afora sobre o aquecimento global. Curiosamente, mais ou menos no mesmo período, um brilhante documentário intitulado The Great Global Warming Swindle (a Grande Farsa do Aquecimento Global) produzido pelo canal 4 britânico e posto no ar em março de 2007, foi relegado ao mais absoluto desconhecimento da grande mídia. Onde essas peças se encaixam?

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Amazônia – ninho de águias agroenergéticas



Sabemos do papel que a Amazônia vem assumindo no discurso hegemônico do aquecimento global. Ela é, nada mais, nada menos, que colocada como principal eixo de compensação do CO2 emitido na terra pelos humanos que pretensamente vem causando um aquecimento planetário, sendo este abordado numa perspectiva messiânica e apocalíptica. Deveria ser óbvio, mas a obviedade se manifesta quando a desgraça se estabelece. O Brasil, detentor do maior território amazônico está sendo emparedado num clássico processo de formação de um discurso hegemônico no qual, a continuar no rítmo que vem sendo veiculado, trará a justificativa necessária para uma intervenção dos EUA a partir do consentimento da ONU, provavelmente dentro de uma coalisão com outras potências ávidas por energia[1].

Ora, a primeira Guerra do Golfo se deu em nome da democracia através do ataque em massa de um antigo aliado norte-americano, o Iraque e seu ditador,  que cometeu a loucura de tentar reanexar o Kwait. Num Iraque destruído, a segunda Guerra do Golfo ocorreu em nome da humanidade a partir do massacre de um povo  que não oferecia a menor resistência para nada, quanto mais ameaçar a humanidade com armas de destruição em massa, essas sim, nas mãos das grandes potências. Tudo isso foi mais que aceito midiáticamente. Provavelmente, a covardia da invasão das “tropas de coalisão” (eufemismo para justificar a invasão norte-americana com seus sócios) será num futuro não muito distante encarada como uma das maiores barbáries bélicas da história humana. Muito haverá para se contar do assassínio não divulgado de um gigante militar contra uma nação absolutamente empobrecida.

O hoje satanizado Bush filho foi comemorado numa imensa propaganda de construção da imagem totalmente absurda de que um Iraque empobrecido  possuía armas de destruição em massa. O Iraque estava colocando o Planeta Terra em risco. Hoje isso já parece absurdo. Mas a morte veio a Mach 3 e em massa. Ninguém nos EUA se opôs. No mundo, poucos se atreveram ao menos a discordar. Esse mesmo mundo não se oporia à invasão do Irã que passou a ter a figura do seu presidente eleito banalizada como a de um fanático. Essa banalização só deixou de acontecer quando o Irã permitiu a entrada de empresas petrolíferas russas em troca de proteção militar. Bush chegou a anunciar a terceira guerra mundial. Blefe. Mas blefe porque o adversário era outro. E foi aí que a Casa Branca decidiu admitir, pelo próprio Bush, que os EUA eram viciados em petróleo. É que a guerra se tornara cada vez mais perigosa. O Irã não mais se colocava nas situação de fragilidade do Iraque, ao mesmo tempo em que as perdas dos “aliados” se misturava com o massacre até hoje não dimensionado de iraquianos.  

Pois bem, se os democratas reconhecem a importância do partido republicano como “um partido que teve por base a autoconfiança, a liberdade individual e a unidade nacional” certamente não é por acaso. Aliás vem de longe o anedotário político de que nada é mais republicano do que um democrata. Afinal, o legendário (ao menos para os americanos) John Kennedy, forçado ou não, fez parte da guerra fria e agiu a contento. Enviou e aumentou tanto a presença dos “conselheiros militares” americanos como também a presença bélica efetiva no Vietnã, inclusive com a introdução dos “boinas verdes”. Morreu Kennedy e assumiu o também democrata Lyndon Johnson que, em definitivo, completou a tarefa de entrada velada dos EUA na guerra.

A crise energética mundial colocou os EUA na posição de buscar novas alternativas energéticas. Curiosamente surgiu no discurso do democrata Obama, um inimigo oculto absolutamente novo e incrivelmente amplo: os inimigos do planeta. Democratas, Al Gore, aquecimento global, Barack Obama, inimigos do planeta a serem destruídos. Coincidências demais para um povo acostumado a dizer “Nós somos, e sempre seremos, os Estados Unidos da América”, não como uma afirmativa nacional, mas como crença arraigada do seu poder imperial. Não é o novo presidente americano quem trabalha a perspectiva agroenergética e, provavelmente, a tomada da Amazônia (não apenas a brasileira) assim como não foi Bush nem pai nem filho que criaram a geopolítica do petróleo dos EUA. É parte do pensamento americano, agir para manutenção do império.  E mantê-lo faz com que se ajam em várias frentes.

Enfim, se Bush anunciou a insurgência de uma nova era pela incapacidade de manutenção de um mundo energético baseado como fonte principal no petróleo (e colocando as medidas para tal) Obama tratará de dar continuidade a esse processo só que com maior “poder de fogo” agindo na implementação de uma estratégia de médio e longo prazos, tanto na parte tecnológica e produtiva (o que é continuidade do que já estava previsto no fim do governo Bush) como, o que é o fundamental, no arraigar do emparedamento dos países tropicais do planeta (dos quais o principal deles é o Brasil) através da construção do discurso hegemônico da intocabilidade das suas áreas. Os EUA possuem um ambicioso projeto próprio que lhes dará a sua tão esperada liberdade energética. Para os que possam duvidar disso, eis o resultado no campo do etanol do primeiro encontro entre os presidentes Lula e Obama ocorrido em 14 de março de 2009.

O encontro de sábado também serviu para deixar claro que os EUA não pensam em abrir tão cedo o mercado americano para o etanol produzido no Brasil, uma reivindicação que Lula e os usineiros brasileiros tem feito com insistência. Na entrevista ao lado de Lula, Obama admitiu que as barreiras tarifárias impostas ao álcool importado geram tensão entre os dois países, mas disse que o problema só será solucionado " com o tempo " . Num encontro na sexta-feira em Washington, o secretário de Agricultura dos EUA, Tom Vilsack, disse a representantes da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) que não há a menor possibilidade de eliminar as tarifas do etanol no curto prazo. A legislação em vigor assegura sua manutenção até o fim de 2010 e sua retirada agora poderia aumentar os problemas gerados pela crise econômica para a indústria americana de etanol. (ENCONTRO Lula-Obama reduz chances de Doha, O Globo, Rio de Janeiro,13mar.2009.Disponível.em Acesso em: 25 abr. 2009).


Os EUA possuem um projeto próprio. Não é a crise que objeta a retirada do protecionismo ianque à entrada do etanol brasileiro em seu território. A crise é a justificativa de Obama para a proteção do projeto estatudinense de produção. Afinal eles também detêm a tecnologia, inclusive de cana de açúcar como já dissemos e não irão usar seu mercado para fortalecer um gigante do setor como o Brasil. Uma nova ninhada de águias surge: as águias agroenergéticas. Irão querer como habitat a Amazônia brasileira em parte ou no todo.


[1] O Brasil está utilizando-se do discurso do aquecimento global para a venda de biocombustíveis, sobretudo nesse momento o etanol. Para nós é uma faca de dois gumes. Até que ponto ela cortará para o nosso lado é uma incógnita. Acreditamos que o melhor caminho seria trabalhar no discurso de que temos um combustível baseado numa fonte ilimitada de energia, o Sol, e que dada nossa posição geográfica e nossa característica territorial de unidade quase continental, possuímos a grande área contínua planetária para produzir biocarburantes.